Ao fazer a defesa de sua obsessão, o etanol de cana-de-açúcar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu ao ataque pesado contra empresas petrolíferas e contra o outro etanol, o do milho, produzido nos EUA.
"É com espanto que vejo tentativas de criar uma relação de causa e efeito entre os biocombustíveis e o aumento do preço dos alimentos. (...) Vejo com indignação que muitos dos dedos apontados contra a energia limpa dos biocombustíveis estão sujos de óleo e carvão", disparou Lula em seu discurso na Cúpula sobre Segurança Alimentar, ontem inaugurada na sede romana da FAO, o braço da ONU para Alimentação e Agricultura.
Lula já havia acusado as petroleiras de conspiração contra o etanol, em Lima, em outra cúpula, a da União Européia com América Latina e Caribe.Agora, sua crítica se dirigiu também ao etanol de milho: "É evidente que o etanol de milho só consegue competir com o etanol de cana quando é anabolizado por subsídios e protegido por barreiras tarifárias".
Outro alvo de Lula foram os subsídios que o mundo rico dá a seus agricultores. "Outro fator decisivo para a alta dos alimentos é o intolerável protecionismo com que os países ricos cercam a sua agricultura, atrofiando e desorganizando a produção em outros países, especialmente os mais pobres".
Mais: "Os subsídios criam dependência, desmantelam estruturas produtivas inteiras, geram fome e pobreza onde poderia haver prosperidade. Já passou da hora de eliminá-los".Jacques Diouf, o diretor-geral da FAO e anfitrião do encontro de Roma, concordou totalmente com o brasileiro. Em seu discurso inaugural, Diouf disse ser "incompreensível o fato de que subsídios da ordem de US$ 11 bilhões a US$ 12 bilhões foram usados para desviar 100 milhões de toneladas de cereais do consumo humano para satisfazer a sede dos veículos por combustível". O senegalês ressaltou o fato de que os países da OCDE (os 30 mais ricos do mundo) tenham gasto "US$ 372 bilhões só em 2006 para apoiar sua agricultura".
Lula apresentou todos os dados que usa habitualmente para demonstrar que nem o Brasil devasta a Amazônia para produzir etanol nem os biocombustíveis substituem plantios para alimentação. Mas não tocou no desmatamento recorde da Amazônia, tema que provoca excitação imensa na Europa.Disse só que "99,7% da cana está a pelo menos 2.000 quilômetros da floresta amazônica. Isto é, a distância entre nossos canaviais e a Amazônia é a mesma que existe entre o Vaticano e o Kremlin".
É uma boa imagem, mas a Folha ouviu de delegados europeus que, se aumenta a devastação na Amazônia, conforme a manchete dos principais jornais de ontem, importa menos a causa e mais o fato.
FONTE: Folha de São Paulo - 04/06/2008