Roma - Em sua cruzada em favor do etanol de cana-de-açúcar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentos (FAO) um duro ataque aos produtores de petróleo e ao álcool produzido a partir do milho. "Etanol é como colesterol: há o bom e o mau. O bom etanol ajuda a despoluir o planeta e é competitivo. O mau etanol depende das gorduras dos subsídios", disse a uma platéia de 50 chefes de estado e 150 ministros, provocando aplausos durante a Conferência de Alto Nível da FAO sobre Segurança Alimentar, Mudanças Climáticas e Bioenergia. Não sou favorável que se produza etanol a partir de alimentos, como milho e outros.
Foi um dos discursos mais esperados da Conferência da FAO. E também o mais longo da manhã de ontem. Lula falou por 30 minutos, ao ponto de fazer o presidente da Itália, Silvio Berlusconi, reclamar ao final, pedindo que os demais palestrantes não se demorassem mais do que cinco minutos. O presidente usou palavras fortes, como "indignação, desolação e espanto" para se referir ao lobby das grandes empresas de petróleo e aos subsídios agrícolas.
"Vejo com indignação que muitos dos dedos apontados contra a energia limpa dos biocombustíveis estão sujos de óleo e de carvão", disse o presidente, para emendar: "Vejo com desolação que muitos dos que responsabilizam o etanol de cana-de-açúcar pelo alto preço dos alimentos são os mesmos que há décadas mantêm políticas protecionistas, em prejuízo dos agricultores dos países mais pobres e dos consumidores de todo o mundo". Na audiência estavam líderes de países com as políticas mais protecionistas do mundo, caso do francês Nicolas Sarkozy.
O "espanto" de Lula se referiu às tentativas de "lobbies poderosos", de colocar o etanol como o vilão na alta do preço dos alimentos. "É uma burla que não resiste a uma discussão séria." Usando dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos ? "para que não se alegue que estou usando apenas estatísticas brasileiras" ?, lembrou que o etanol ocupa apenas 1% dos 63 milhões de hectares de terra que o Brasil destina a lavouras.
Para responder às acusações de que o etanol reduz a colheita de alimentos, argumentou que a produção brasileira de grãos cresceu 142% desde 1990. Se referiu ainda ao que considera um argumento "sem pé nem cabeça", o de que os canaviais brasileiros estão invadindo a Amazônia. "Quem fala uma bobagem dessas não conhece o Brasil", disse Lula. E citou números: "A Região Norte, onde fica quase toda a Floresta Amazônica, tem apenas 21 mil hectares de cana, ou seja, 0,3% do total da cana. Ou seja, 99,7% estão a pelo menos 2 mil quilômetros de distância da floresta. Isto é, a distância dos nossos canaviais da Amazônia é a mesma que existe entre o Vaticano e o Kremlim", disse. E mais aplausos na sala dos políticos. O discurso foi distribuído de forma a contemplar os temas em discussão na FAO. Sobre as mudanças climáticas, Lula lembrou que os carros movidos a gasolina poluem 8,5 vezes mais do que um movido a etanol. "O etanol não é apenas um combustível limpo, é um que limpa enquanto está sendo produzido", disse ele, convidando todos os presentes para a conferência científica internacional que fará em novembro, em São Paulo, para discutir os biocombustíveis.
Lula lembrou que há pelo menos 100 países que podem adotar a bioenergia e, a partir daí, promover desenvolvimento, gerar empregos. "É preciso reconhecer que se a agricultura dos países em desenvolvimento tivesse sido estimulada por um mercado livre, talvez não estivéssemos vivendo essa crise de alimentos." A idéia do presidente é reformular visões e reciclar idéias. E ele saiu do plenário com a certeza de que, alguma cabeça, ele mexeu.
Apoio Lula volta para o Brasil com o apoio da cúpula das Nações Unidas nos dois principais temas que tratou na conferência: subsídios agrícolas e formas de reduzir as especulações com o preço do petróleo, que termina por afetar o preço dos alimentos. O diretor-geral da ONU, Ban Ki-Moon, por exemplo, lembrou que "alguns países agiram limitando exportações ou impondo controles, (isso) distorce os mercados e força os preços a subirem mais. Peço às nações que resistam a tais medidas e imediatamente liberem as exportações destinadas a propósitos humanitários."
O mesmo fez o diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, que também frisa que os países ricos consomem bilhões de dólares em subsídios agrícolas. Ki-Moon propôs um aumento de 50% na produção de alimentos até 2030 a fim de atender à crescente demanda e conter a escalada de preços.
Autoridades da Espanha e da França que assistiram ao discurso de Lula na sala onde estavam os deputados brasileiros comentaram que o discurso foi forte, porém, quanto às barreiras dos subsídios, o caminho é longo. O presidente da Espanha, José Luis Zapatero, por exemplo, não mencionou o discurso de Lula na entrevista que concedeu no início da tarde na FAO, apesar de ter defendido medidas para conter os preços do petróleo.
No entanto, diversos integrantes da comitiva espanhola se referiram a Lula, em conversas reservadas, como a estrela do evento, que tratou sem medo de assuntos considerados tabus na Europa, caso dos subsídios agrícolas. Se a mudança de mentalidade virá, eles preferem aguardar. E lembram que qualquer modificação nesse setor terá de ser um processo negociado de forma equilibrada para evitar que os agricultores europeus terminem indo à bancarrota. Lula terá que, aos poucos, juntar mais gente.
O QUE ELE DISSE
"Etanol é como colesterol: há o bom e o mau. O bom etanol ajuda a despoluir o planeta e é competitivo. O mau etanol depende das gorduras dos subsídios"
"Vejo com indignação que muitos dos dedos apontados contra a energia limpa dos biocombustíveis estão sujos de óleo e de carvão"
"99,7% (da plantação brasileira de cana) estão a pelo menos 2 mil quilômetros de distância da floresta. a distância dos nossos canaviais da Amazônia é a mesma que existe entre o Vaticano e o Kremlim"
"No Brasil, em cada grão de feijão, de arroz ou litro de leite, o petróleo é responsável por 30% do custo final"
"É indispensável afastar a cortina de fumaça lançada por lobbies
FONTE: Correio Braziliense - 04/06/2008