O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, para mais de 50 chefes de Estado, que 99,7% da cana-de-açúcar no país está a pelo menos 2 mil quilômetros da Floresta Amazônica e que, assim, a distância entre os canaviais no Brasil e a Amazônia seria a mesma que há entre o Vaticano e o Kremlin.
Ele atribuiu a "argumentos sem pé nem cabeça" as críticas de que os canaviais no país estariam invadindo a Amazônia, como apontam organizações não governamentais (ONGs).
Lula garantiu que a região Norte tem apenas 21 mil hectares de cana, o equivalente a 0,3% da área total de canaviais do Brasil. "O etanol de cana no Brasil não agride a Amazônia, não tira terra da produção de alimentos nem diminui a oferta de comida na mesa dos brasileiros e dos povos do mundo."
Mas o discurso bem articulado de defesa do etanol acabou ficando velho antes do tempo, diante das informações procedentes do Brasil de aumento do desmatamento na Amazônia, o que era alvo de interesse generalizado, ontem, em Roma.
Em sua intervenção na conferência da FAO, Lula não mencionou uma só vez o termo "desmatamento", quando nos dias anteriores repetiu que seu governo tinha reduzido esse problema em 59%.
Lula aproveitou um atraso no calendário de entrevistas coletivas de chefes de Estado e de governo, e ao qual tinha aceitado esperar, para desistir de encontrar jornalistas. Repórteres brasileiros correram para encontrá-lo na embaixada, no centro de Roma. Ele partiu de carro com vidro fumê para o aeroporto, para pegar "meu avião", como costuma se referir ao jato da Presidência.
Segundo sua assessoria, o presidente alegou que estava atrasado para viajar, o que foi recebido com certa ironia, diante de seus exemplos de pouca pontualidade.
No discurso na FAO, Lula se disse indignado de ver que "muitos dedos apontados contra a energia limpa dos biocombustíveis estão sujos de óleo e carvão". Em plenário, Lula recebeu aplausos quando comparou etanol a colesterol. O bom etanol seria o brasileiro, feito de cana. O ruim, "depende das gorduras dos subsídios".
Ele atacou forte o "intolerável" subsídio agrícola dos países ricos que atrofiam a produção em outros países. Mas a distância entre o discurso e a prática é outra. O governo não está sequer decidido a reabrir o pedido de retaliação contra os EUA por causa dos subsídios ao algodão, condenados inúmeras vezes pela Organização Mundial do Comércio (OMC), como admitiu o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Lula estimou que cem países têm vocação natural para produzir biocombustíveis de forma sustentável e pediu para que a decisão de produzir seja deixada para eles próprios, sem pressão de países ou entidades que ecoariam "os interesses da indústria petroleira ou de setores agrícolas habituados aos subsídios e ao protecionismo".
Mais tarde, o presidente recebeu a presidente de Sri Lanka, Mahinda Rajapaksa. Ela se queixou dos preços dos alimentos e atribuiu a crise no seu país aos combustíveis.
FONTE: Valor Econômico - 04/06/2008