Também na economia a história se repete como farsa. Vejamos a declaração recente do ministro Mantega de que a inflação no Brasil é a "inflação do feijãozinho". É a triste repetição da explicação dada, há 30 anos, pelo então ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen, para justificar o aumento da inflação à época. A diferença fica por conta da independência do Banco Central atual contra a dependência que existia na época dos militares. Nos idos da década de 70 do século passado, a inflação do chuchu se transformou em poucos anos na hiperinflação que tanto custou aos brasileiros. Hoje, enquanto o BC for o mesmo, o risco de um desastre semelhante é pequeno.
Tenho refletido com freqüência sobre o tema da inflação na economia brasileira do governo Lula. Mas, como em todo processo de entendimento de um fenômeno complexo como esse, o tempo é nosso parceiro na busca da sabedoria. Tenho hoje uma visão mais completa sobre as razões de os índices de preços mais recentes estarem surpreendendo o mercado.
O expressivo crescimento da demanda no Brasil não vinha criando uma dinâmica mais perversa no campo dos preços por conta do crescimento de nossas importações. Desde 2006, o nosso comércio exterior vinha representando um poderoso canal de aumento de oferta de bens industriais em nossos mercados. Com o real em contínua valorização e com uma deflação industrial importada principalmente da China, havia um bloqueio para o aumento dos preços desses produtos.
Mais recentemente teve início um processo de vazamento dessa demanda acelerada para setores de serviços e outros produtos não-comercializáveis. Chamei a atenção várias vezes para essa nova situação e alertei de que, se continuássemos nessa toada, a inflação mudaria de dinâmica. Alertei também para o fato de que o superaquecimento chegava ao mercado de trabalho e que o ritmo de aumento dos preços iria se acelerar.
Agora chamo a atenção do leitor da Folha para uma nova realidade que acontece no campo da inflação. O canal externo de oferta -importações- está se transformando em uma força inflacionária adicional. Essa mudança de sinal reflete uma alteração importante que está ocorrendo na economia global. A inflação de uma cesta de produtos primários está afetando o mundo todo, chegando também à China e a outras economias da Ásia. Produtos intermediários importantes como fertilizantes, aço e resinas estão refletindo o aumento continuado dos preços das commodities. Em pouco tempo, esses preços mais elevados chegarão ao fim da cadeia produtiva, afetando os produtos finais. Os preços de máquinas e bens duráveis ainda permanecem surpreendentemente bem comportados, mas as pressões de custo são cada vez maiores e os riscos se avolumam.
Sem a proteção das importações nos estágios intermediários das cadeias de produção e com a dinâmica interna de consumo ainda refletindo o aquecimento do gasto público e privado, não pode causar surpresa o comportamento recente dos índices de inflação. Somente o analista menos avisado pode confundir a inflação de hoje com o preço do feijãozinho, como fez o ministro Mantega de forma inconseqüente. A diferença entre a inflação do chuchu do ministro Simonsen e a do feijãozinho é que o Banco Central atual não entrou -nem entrará- nessa lengalenga. Ainda bem!
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
FONTE: Folha de São Paulo - 09/05/2008