14/03/2008 07h07
Especial para o Diário
Ex-ministro da Fazenda no governo Geisel, responsável - do lado do governo - pelo início da exploração do cerrado, Alysson Paulinelli não vê saída no ministério, na sua conformação atual.
Dos anos 1990 para cá, o ministério foi perdendo atribuições. Perdeu o tema do meio ambiente, da agricultura familiar, da reforma agrária e da pesca. E perdeu violentamente recursos, mesmo os básicos, de defesa sanitária.
Ainda por cima, não conseguiu se situar adequadamente nos novos tempos, que transformaram o Brasil em uma das grandes potências agrícolas do mundo. Enquanto o País era um jogador menor, não despertava resistências dos grandes consumidores. Player maior, passará a ser alvo de toda sorte de manobras protecionistas. E a arena onde se dará esse jogo será a da certificação.
A globalização ampliou o conceito de certificação. Hoje em dia é utilizado não apenas para analisar a conformidade do produto (se segue as especificações internacionais), mas até as práticas e processos - se respeita meio ambiente, social, econômico.
Os recentes problemas com a exportação de carne para a União Européia refletem bem esse jogo de pressões. O consumidor europeu foi duramente afetado pela decisão de embargar a carne brasileira - que provocou alta de 50% nas partes exportadas, os cortes nobres (filé, contra-filé, alcatra, picanha etc.). Mas os produtores irlandeses conseguiram avançar valendo-se de normas técnicas.
O que levou ao bloqueio foi a não-conformidade das normas, por parte dos produtores brasileiros.
Segundo Paulinelli, jamais o Ministério da Saúde e a Secretaria de Vigilância Sanitária conseguirão dar conta da fiscalização do setor. Não possuem nem recursos, nem pessoas, nem condições de fiscalizar um país continental.
ATUAÇÃO
Em sua opinião, o papel de cada ente público e privado deveria ser o seguinte:
1. O Ministério da Agricultura deveria concentrar todos os esforços nos fóruns internacionais de certificação. Cada produto, cada processo terá de ser acompanhado, de maneira articulada com os órgãos normatizadores (Inmetro, ABNT) e com as universidades;
2. O ministério deveria delegar aos Estados o papel de policia, de fiscalização;
3. Por sua vez, os Estados deveriam transferir para cooperativas e associações o poder de certificar, já que o maior interessado na boa certificação é o próprio produtor - que pode ter suas exportações bloqueadas em caso de falha.
Hoje o processo de certificação é uma bagunça ampla e completa. O Brasil adotou o modelo europeu, de identificar cada cabeça de gado em cada propriedade. Os laudos técnicos deveriam ser emitidos por empresas certificadoras. Cabe a elas dar o laudo e encaminhar todas as informações para o Sisbov (o sistema de registro de gado bovino).
Esse modelo acabou gerando inúmeros aventureiros que montaram agências certificadores sem nenhum controle. Há agências certificadoras gaúchas que emitem certificados para fazendas mineiras, por exemplo, sem nunca ter comparecido ao local. Cobram caro, não são confiáveis. E, nas horas críticas, deixam o produtor vulnerável às represálias externas.
Milagre do cerrado 1
Há dois anos, Paulinelli recebeu prêmio nos EUA por sua contribuição à agricultura do cerrado. Com ele foi homenageado o professor McCollin, homem que primeiro estudou as possibilidades da região, permitindo que, pela primeira vez, terras aparentemente imprestáveis fossem recuperadas para a agricultura.
Milagre do cerrado 2
McCollin é uma prova viva da importância de Nelson Rockefeller para a agricultura brasileira. Foi financiado pelo Instituto montado por Rockefeller na fazenda de Matão que Ajudaram a criar as bases de uma agricultura tropical - muito mais eficiente e menos predadora do que a de países temperados. Esse é o maior trunfo brasileiro.
Certificação 1
Hoje há um grupo de 16 professores da Esalq (Escola de Agricultura Luiz de Queiroz) estudando a questão da certificação. Há duas tendências hoje em dia: certificar o produto, ou certificar o produtor. O estudo da Esalq defende a certificação de regiões, já que por produto seria financeiramente inviável.
Certificação 2
Do mesmo modo, a certificação por fazenda seria complicado e daria armas para os adversários. No Brasil convive a moderna propriedade agrícola com a agricultura de subsistência. Se se quiser certificar toda a região, fazenda por fazenda, a agricultura de subsistência não passaria nos testes. FONTE: Diário do Grande ABC ? SP