Limoeiro do Norte. A região agrícola considerada a mais promissora do Estado - e uma das principais do Nordeste setentrional - é o berço de um problema que, há mais de uma década, se apresenta às autoridades sem que haja solução. Das centenas de pequenos, médios e grandes produtores que hoje atuam dentro do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi, em Limoeiro do Norte, na região jaguaribana, nenhum possui título de posse das terras que ocupa ? nem mesmo as multinacionais agro exportadoras. Mais de 100 agricultores, ex-irrigantes, alegam que foram expulsos de suas terras para dar lugar ao projeto irrigado, que estaria beneficiando mais os grandes empresários. Há um mês e meio a Justiça Federal deferiu liminar exigindo que o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) realize a demarcação de todas as terras da União. A intenção é acabar com o imbróglio, que está evoluindo para feroz disputa de terras.
A palavra "expulsão", usada pelos mais de 100 irrigantes que protestam direito pelas terras, deve ser usada no sentido mais conotativo possível. Isso porque, conforme o próprio presidente da Associação dos Ex-Irrigantes do Jaguaribe Apodi (Aija), José Maria Filho, os pequenos produtores, inclusive ele, foram forçados a sair pela falta de condições e infra-estrutura. O governo federal, via antigo DNOS (depois extinto para ser o atual Dnocs), para implantar o Projeto Irrigado Jaguaribe-Apodi, desapropriou, e indenizou, os agricultores, na maioria falidos pelas dívidas contraídas junto aos bancos e sem ter como pagar. Na oportunidade, médios e grandes produtores compraram terras dos pequenos, sob a garantia de também pagar as dívidas destes. Mas os "pequenos" acusam os "grandes" de não terem cumprido o acordo.
InformalToda essa negociação foi realizada informalmente, já que nem mesmo os irrigantes detinham títulos das terras. "A gente confiou que todos os que compraram as nossas terras honrassem o acordo, mas só alguns assumiram as dívidas no banco", reclama José Maria. O pequeno irrigante só percebeu a "traição" ao tentar contrair empréstimos bancários e ver que tinha o nome "sujo" no Banco do Nordeste, principal agente financeiro, desde a época da negociata. Assim, centenas de hectares são hoje cultivados promissoramente por médios e grandes empresários em terras pelas quais pequenos irrigantes contraíram altas dívidas.
"Mas não queremos tomar as terras de volta, o que a gente quer é poder trabalhar nas terras que estão ociosas". José Maria fala da segunda etapa do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi, ociosa e com boa estrutura, mas que ainda não foi efetivada justamente pela burocracia, sendo o principal empecilho a falta de titulação das terras de quem faz parte da primeira etapa. Até mesmo Dnocs e a Federação das Associações do Perímetro Irrigado Jaguaribe Apodi (Fapija) reconhecem que o perímetro está irregular. Mas a concordância se dá no quesito falta de titulação das terras. No que se refere à expropriação dos pequenos produtores rurais, os governos Federal e Estadual têm feito vista grossa quando o assunto é concentração fundiária.
Segundo levantamento de pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece) na Chapada do Apodi, do total de 116 produtores com áreas entre quatro e 16 hectares do projeto (num total de 768ha) no ano de 1992, apenas quatro deles, ou 3,4%, continuam no perímetro a partir de 2002, período em que se inicia a escala progressiva de crescimento agrícola na região e quando, de 255 produtores, apenas 11 deles concentravam 32% da área total de 4.060 hectares, alguns com extensões de terra que chegavam a 490 hectares. O faturamento na Chapada foi de R$ 60 milhões em 2007.
Acatando Ação Civil Pública pelo procurador geral da República, Samuel Miranda Arruda, no dia 20 de fevereiro deste ano, o juiz Federal Francisco Luiz Rios Alves, da 15ª Vara Federal, em Limoeiro do Norte, deferiu liminar determinando "com urgência" que o Dnocs realize a identificação de toda a área desapropriada "de maneira que não deixe quaisquer dúvidas quanto a extensão e localização do patrimônio fundiário do Dnocs no projeto Jaguaribe-Apodi", diz o documento, que também pede a identificação dos ocupantes, discriminando-se a extensão, titulação, finalidade e período de ocupação.
Há duas semanas venceu o prazo de 30 dias dado pela Justiça Federal para o início da demarcação sem que nada fosse feito. O Departamento garantiu à reportagem que designará uma equipe para avaliar o caso. Será a segunda comissão em dois anos.
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA - Dnocs realizará a demarcação do local
Limoeiro do Norte. Quando o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) foi criado, substituindo o antigo DNOS, a problemática de expropriação, indenização e dívidas envolvendo os ex-irrigantes do projeto Jaguaribe-Apodi já tinha se consumado. Mas como este órgão federal é quem coordena a região agrícola também é dele a responsabilidade de dar o título da terra a quem é de direito e evitar possíveis abusos fundiários por parte de grandes empresas. Em reunião na sede do órgão em Fortaleza, na noite da última quarta-feira, ficou decidida a nomeação de uma comissão de regularização fundiária para resolver o questionamento de terras em Limoeiro do Norte.
A intenção do superintendente do Dnocs, Elias Fernandes, é investigar todas as titulações de terras, saber quem foi indenizado, para desobstruir os obstáculos para a segunda etapa do projeto. "Este é um problema antigo que nós temos profundo interesse em resolver. A região da Chapada do Apodi tem grande importância não só para o Ceará como todo o Nordeste. É uma área que está dando certo e precisamos iniciar a segunda etapa", afirma Elias Fernandes. O primeiro passo será, a partir da semana que vem, a visita da comissão nomeada por ele aos cartórios de Limoeiro em que estão registradas as indenizações e as posses de terra - quem as possui.
PropostaA proposta do departamento é desapropriar uma área de dois mil hectares vizinha ao perímetro irrigado. Como compensação, os ex-irrigantes ? que possuíam média de oito hectares quando expropriados ?, ficariam com aproximadamente 40 hectares, cada, para produção em regime de sequeiro. A proposta foi ouvida com exclusividade pela reportagem e ainda será levada para negociação direta com a Associação dos Ex-Irrigantes do Jaguaripe-Apodi (Aija). Para um de seus membros, o ex-produtor Reinaldo Rogério, "se for essa a proposta do Dnocs, 40 hectares é uma área suficiente. Mas é preciso localizar essa área e ter a posse oficializada dela. Sem título a terra não vale nada", afirma, esperando que "isso não sirva de retalho para diminuir a importância da demarcação de terras hoje ocupadas", salienta.
Há mais de dois anos, em 14 de fevereiro de 2006, o Dnocs, na época dirigido pelo cearense Eudoro Santana, nomeou uma comissão pare resolver a regularização do projeto em questão. Dois anos depois, o ato se repete. Conforme o juiz federal, Francisco Luis, que pediu neste ano a demarcação pelo Dnocs, a não solução das lides quanto posse e propriedade deixou os "referidos terrenos sujeitos à especulação comercial em detrimento do interesse público", além das famílias envolvidas sujeitas "a toda sorte de especulação e ameaça de empresas interessadas na exploração da área, conforme fartamente comprovado nos autos", afirma o magistrado no documento da Justiça Federal de Primeira Instância.
GarantiaO diretor Elias Fernandes garante que se grandes empresas estiverem se apropriando indevidamente de terras da União "vamos expulsá-las". Conforme uma especialista do Dnocs, que pediu para não ser identificada, a questão fundiária na Chapada do Apodi "envolve muitos interesses que nem sempre as grandes instituições estão dispostas a intervir", comenta. A referência se dá desde os supostos abusos de grandes empresários à, até mesmo, possível especulação que possa existir de alguns ex-irrigantes que desistiram da região antes desvalorizada e que hoje configura numa das promissoras da região Nordeste.
Mais informações: Federação das Associações do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi (Fapija) - Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte. (88) 3423.1386
FONTE: Diário do Nordeste - 07/04/08