A conseqüência lógica desse projeto será a proliferação de "centrais" sindicais". Vai ser uma briga de foice no escuro.
Eu poderia escrever muitas páginas sobre tudo quanto estranhei no funcionamento do Ministério do Trabalho e Emprego, quando lá estive. Para o momento, vou apenas recordar duas coisas: a primeira delas, a superposição entre o que faziam, no âmbito do Sistema Nacional de Emprego, as agências dos governos estaduais e as delegacias regionais do Trabalho (DRT), do governo federal, também existentes em cada Estado, com suas subdelegacias e agências em várias cidades.
Tudo mantido com dinheiro da União. E eu vivia perguntando: por que não unificar as estruturas, em sistema de co-gestão? É claro que a minha pergunta deixava muita gente de orelha em pé. Imagine só, perder "espaços de poder", como diziam alguns. Mas o que ainda me impressionava mais é que, para sustentar as DRTs, o MTE retinha, como previsto na CLT, 20% do arrecadado com a contribuição sindical.
Aí, era mesmo o fim da picada! A contribuição sindical, criada por Getúlio Vargas, foi, em nosso país, a melhor maneira de manter os sindicatos sem qualquer esforço de mobilização dos trabalhadores. Sem contar que, para solucionar o problema de como arrecadar do trabalhador rural, adotou-se a fórmula de arrecadar o imposto dos aposentados, pois desses se tinham disponíveis nomes, endereços e fonte (INSS) para o desconto.
Agora, leio que a Câmara dos Deputados já aprovou o PL nº 1.990/07, que legaliza as centrais sindicais, destina a elas metade da parte do MTE na contribuição sindical, na proporção da representatividade de cada uma. Isso em pleno governo Lula e com todo apoio da CUT, que, vale a pena lembrar, nasceu criticando o "imposto" sindical para tentar unificar, na luta, os trabalhadores e, assim, torná-los mais fortes no enfrentamento com os patrões, nos estertores da ditadura militar.
Não dá para acreditar... As notícias sobre esse projeto de lei vão me dando arrepios: Vicentinho, ex-presidente da CUT, hoje parlamentar, vociferando contra a emenda do ex-sindicalista e também deputado Augusto Carvalho (PPS-DF) que, ao menos, acaba com a tutela e estatui que o trabalhador tem de dar seu acordo para sofrer o desconto. Incrível. Incrível também denunciarem a emenda que atribui ao TCU o controle desse dinheiro.
Uai, queriam o quê?! Dinheiro de finalidade paraestatal sem controle? Que ninguém pudesse vigiar sua aplicação? Então, qual a legitimidade dos sindicalistas para pedir ao mesmo TCU a fiscalização do Sistema "S", mantido por empresários com contribuições sindicais? A consequência lógica desse projeto será a proliferação de "centrais" sindicais". Pode escrever: vai ser uma briga de foice no escuro para lograr influenciar a decisão dos milhares de sindicatos de base quanto a essa vinculação.
No Brasil, já há 19 centrais sindicais. Estamos na contramão do que foi, por exemplo, a história de um dos sindicalismos mais operantes do período pós-guerra no século XX. Refiro-me ao que se passou na Alemanha: sem "imposto" sindical, mas gozando de plena liberdade sindical, direito de greve e proteção contra dispensa imotivada (o oposto do que ocorre ainda hoje no Brasil), ali os trabalhadores perceberam que sua pulverização em centrais só ajudaria os patrões.
E se juntaram (até hoje) em uma única central, a DGB. E mesmo tendo sido assim prevenidos, qualquer um que estude o mundo do trabalho, com suas mudanças nos últimos anos, sabe que a própria DGB já não tem a força de antes. No Brasil, tudo indica que teremos bons burocratas, passando o tempo correndo atrás de sindicatos, para que se filiem a suas fracas centrais sindicais. Deus queira que não!
(*) Sandra Starling é aadvogada e cientista política. FONTE: Campo Grande News ? MS