Neste artigo buscamos mostrar como o confronto "agronegócio versos agricultura familiar" tem impedido o desenvolvimento de oportunidades, bloqueadas, muitas vezes, pela ideologia, para milhares de pequenos agricultores, principalmente nas regiões mais carentes do Brasil. Para desenvolver este raciocínio iremos abordar a definição de agronegócios, depois discutir as dificuldades do pequeno agricultor e finalmente apresentar um conceito denominado Projeto Integrado de Negócios Sustentáveis (Pins). Por fim, relataremos alguns casos de empresas que são ilustrativas, deixando algumas reflexões para gestores privados e públicos.
Agronegócios são "a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles". John Davis e Ray Goldberg assim os definiram em 1957. Em nenhum momento os autores diferenciam empresas pequenas de grandes, familiares ou empresariais. Basta estar integrado, está no agronegócio.
O produtor precisa comprar insumos de forma competitiva, produzir e comercializar seguindo as tendências de mercado, com tecnologia e inovação. Há tempos, as atividades dos agronegócios "antes" e "depois" da fazenda ganham importância na definição do que é feito dentro da fazenda. Daí a dificuldade de um pequeno produtor conseguir acesso a crédito, tecnologia, volume e informações de mercado para se posicionar de forma competitiva. Por isso, de acordo com alguns críticos, a agricultura de pequeno porte estaria fadada ao extermínio, pois ela não suporta a "pressão concentradora", necessitando de assistência governamental especial. Programas que confinam pequenos agricultores ao assistencialismo geram uma massa de produtores sem visão, produzindo e buscando desesperadamente para quem vender aquilo que o mercado muitas vezes não precisa. Depois de um tempo o produtor abandona a produção e parte para a subsistência e, por fim, abandona o próprio campo e migra. Infelizmente temos uma coleção de casos de insucesso, em especial quando o assistencialismo predomina, como pode ser visto em interessantes relatórios do Banco Mundial sobre pequena agricultura irrigada no Vale do São Francisco (Série Águas).
Todos concordam com a importância da manutenção de pessoas no campo com vida digna e renda. A lógica da eficiência econômica e especialização desafia essa "boa vontade". Mais recentemente, o Programa de Agronegócios da USP (Pensa), em parceria com a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), tem tido a oportunidade de implementar estes conceitos através do Projeto Integrado de Negócios Sustentáveis (Pins). O desafio tem sido atrair empresas do setor de alimentos e fibras com forte inserção em mercados nacionais e internacionais para ter nos produtores de perímetros públicos irrigados uma de suas fontes de suprimentos em fruticultura, bioenergia, caprino e ovinocultura, cítricos, avicultura, frutas secas e desidratadas, vegetais minimamente processados e algodão, entre outros setores. Para isso, no "P" de Projetos, análises técnicas e de viabilidade econômica e financeira são desenvolvidos para empresas candidatas; no "I" de Integração, mecanismos privados de contratos e relacionamentos entre agroindústrias e pequenos produtores são sugeridos; no "N" de Negócios, taxas interessantes de retorno às agroindústrias-âncoras são calculadas, bem como a necessária renda interessante ao pequeno produtor familiar; e, finalmente, no "S" de Sustentáveis, uma proposta de sustentabilidade social, ambiental e econômica caracterizada pela oportunidade de vinculação destes projetos a selos de fair trade (comércio justo), orgânicos e sustentabilidade econômica.
Programas que confinam pequenos agricultores ao assistencialismo geram uma massa de produtores sem visão
Trata-se de fazer com que empresas consigam de forma lucrativa se relacionar com pequenos produtores, agregando crédito, assistência técnica, orientações e, principalmente, contratos de compra; e com que pequenos produtores consigam comercializar sua produção de forma segura e fiquem menos sujeitos a variações bruscas do mercado, que não enfrentam na melhor posição. Não se ignoram as dificuldades de relacionamento, sobretudo quando investimentos específicos são disputados pelas duas partes, que têm de se proteger com alternativas.
Casos nacionais mostram como a coordenação nos sistemas agroindustriais, em especial a melhor relação entre pequenos produtores e agroindústria e/ou distribuidores, faz com que o desenvolvimento seja alcançado e os benefícios do agronegócio sentidos por mais gente. Temos aprendido com casos como os da Agropalma no Pará que, sendo uma produtora de óleo de dendê, consegue desempenhar este papel para famílias de pequenos produtores com 10 hectares e renda entre R$ 15 mil e R$ 20 mil anuais; e com a Caliman, no Rio Grande do Norte, que tem na sua base de fornecedores assentados com desenhos de contratos e coordenação. A Cooperativa Pindorama, em Alagoas, consegue produzir açúcar e álcool, sucos de frutas e derivados de coco e leite envolvendo cerca de 22 mil colonos produzindo em suas terras, um projeto de mais de 50 anos que vale a pena ser visitado. Sem falar na produção de fumo, aves e suínos no Sul, que com modelos de quase integração ou parcerias mantém a produção sustentável.
Esses casos mostram que a o desafio da pequena produção familiar não está em desenvolver programas artificiais de competitividade, e sim na sua inteligente interligação com as empresas do setor de alimentos e fibras que tem clientes e precisam encontrar produtos em sistemas de suprimentos globais, e na coordenação horizontal entre produtores, de forma a estimulá-los na formação de associações e cooperativas, para melhorar a relação com essas empresas jusante em sistemas agroindustriais. Para isso, produtores precisam de parcerias, constância, padrões, contratos e confiabilidade. Este sim é o verdadeiro desafio da agricultura familiar ou de pequeno porte: a integração sustentável.
Marcos Fava Neves é coordenador do Pensa e professor de Marketing e Estratégia da FEARP/USP.
Clementino de Souza Coelho é diretor da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf).
Luciano Thomé e Castro é gestor de Projetos do Pensa e doutorando da FEA/USP. FONTE: Valor Econômico ? SP