Paloma Oliveto
Da equipe do Correio
Ainda traumatizados com a operação policial ocorrida na manhã de terça-feira, os índios que ocupavam irregularmente uma área de 182 mil metros quadrados no Bairro Santa Etelvina, Zona Norte de Manaus, resolveram montar acampamento às margens do terreno, localizado no Km 11 da rodovia AM-010. De acordo com o cacique Sebastião Kokama, que teve sua cabana destruída pela PM, eles não sairão do local, mesmo temendo reviver as cenas de violência. "Enquanto não mostrarem um documento provando que a terra não é nossa, não saímos", afirma.
Em dezembro passado, 105 índios dos povos Sateré Mawé, Tikuna, Cocama, Munduruku, Dessana, Kanamari e Baniwa montaram casas improvisadas no terreno, uma propriedade particular em área de proteção ambiental. Sebastião Kokana garante que algumas famílias já moravam no lugar havia décadas. Há dois dias, 150 homens da PM deflagraram uma operação para desocupar a área.
Os índios dizem que, durante oito horas, passaram por momentos de terror e foram golpeados com cassetetes. A procuradora federal Eliane Saffair, da Fundação Nacional do Índio (Funai), prometeu enviar ao Ministério Público Federal (MPF), dentro de alguns dias, um pedido de investigação sobre a ação da PM. A procuradora atesta que vários índios foram agredidos pela polícia. Ela vai incluir no processo que enviará ao MPF os resultados dos exames de corpo de delito feitos pelos indígenas, que confirmariam a violência policial. A PM diz, porém, que estava apenas cumprindo ordens e nega os abusos.
"Desnutrição é localizada"
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a desnutrição de crianças indígenas ouviu ontem o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o antropólogo Márcio Augusto de Freitas Meira. Ele afirmou que a desnutrição é um problema "localizado" e que atinge uma parcela pequena da população indígena. "Mais de 60% dos índios brasileiros vivem na Amazônia Legal (área que ocupa nove estados) e lá dificilmente encontramos pessoas desnutridas. Pelo contrário, o que vemos é um grande contingente de crianças. Entre os índios, a taxa de natalidade é seis vezes maior do que a verificada na população não-indígena", disse.
Para Meira, a desnutrição atinge principalmente os guaranis, que vivem nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O antropólogo explicou à CPI que, quando as terras dessa etnia foram demarcadas, a população guarani estava bastante reduzida. "Agora, a população cresceu muito. Eles já são 40 mil", disse. Com a falta de terras para morar e plantar, os guaranis sofrem mais os efeitos da fome. "A saúde não é apenas uma questão em si, é conseqüência não só da situação física, mas de uma série de fatores, como moradia e condições de vida em geral."
O presidente da Funai esclareceu ainda que, embora o órgão, ligado ao Ministério da Justiça, acompanhe as ações desenvolvidas, a saúde indígena é, desde 1999, responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), ligada ao Ministério da Saúde. Na terça-feira, representantes da Funasa foram ouvidos pela CPI e apresentaram os programas que vêm sendo desenvolvidos nessa área.
Diagnóstico
A nutricionista Aline Caldas, representante da Funasa, disse que um grande problema foi a falta, durante muitos anos, de pesquisas para subsidiar políticas de alimentação para os índios. Ela afirmou que os poucos estudos existentes eram insuficientes para fazer um diagnóstico preciso. Com apoio do Banco Mundial, a Funasa e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome realizaram um inquérito nutricional com 4.853 crianças e o mesmo número de mulheres indígenas. A partir daí, foi possível desenvolver ações pontuais, como doação de cestas básicas e aplicação de doses de vitamina A. De acordo com o diretor do departamento de Saúde Indígena (Desai) da Funasa, Wanderley Guenka, o índice de mortalidade infantil indígena caiu de 140 por mil em 2000 para 24 por mil em 2006. (PO) FONTE: Correio Braziliense ? DF