CÍNTIA ACAYABA
da Agência Folha
Vereadores, um promotor de Justiça, um coronel da Polícia Militar e a dona de um salão de beleza de João Pessoa são proprietários de lotes em assentamentos destinados à reforma agrária no litoral da Paraíba.
A denúncia é do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que já realizou inspeções em cerca de 40% dos 263 assentamentos do Estado. Em ao menos seis, o instituto detectou irregularidades.
Em dois deles, constatou-se a venda e a troca de lotes --assentamento Santa Helena, em Sapé, e assentamento Massangana, em Cruz do Espírito Santo. Os lotes eram vendidos de R$ 3.000 a R$ 40 mil.
Nessas áreas, atuam o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra).
Os terrenos estão sendo comercializados antes dos dez anos previstos na legislação para a emancipação das terras --período no qual as áreas ainda pertencem ao governo.
Em lotes do Santa Helena (dos 59 visitados, 52 apresentavam irregularidades), administrado pela CPT, casas de veraneio foram construídas.
"Alguns construíram verdadeiras mansões, inclusive com piscinas", disse o superintendente do Incra no Estado, Antônio Ribeiro, conhecido como Frei Anastácio.
O Incra também constatou que compradores de lotes colocam famílias remuneradas para cuidar das casas, que são ocupadas pelos proprietários apenas aos finais de semana.
Além disso, alguns lotes comprados estão sendo usados para plantações de abacaxi e cana-de-açúcar e para criação de gado e de avestruz.
Frei Anastácio, filiado ao PT e ex-militante na CPT, está há sete meses como superintendente do Incra.
O superintendente informou que faz "vistorias surpresas" aos finais de semana. Nelas, o Incra também encontrou lotes onde há pessoas que moram, mas não trabalham no local, ou que trabalham, mas não moram, e lotes abandonados.
A comercialização e o abandono de lotes destinados à reforma agrária é crime. O superintendente disse que o Incra vai ouvir o depoimento das pessoas que compraram e venderam as terras e retirá-los dos lotes, sem indenização.
"Se eles não saírem dos lotes, vamos acionar o Ministério Público Federal e a Justiça", disse.
Quem vendeu, arrendou, abandonou ou repassou lotes a terceiros deve responder a processo e não poderá ser assentado pelo Incra em qualquer parte do território nacional. O vendedor dos lotes também terá de pagar os créditos que recebeu do governo federal.
Outro lado
As coordenações estaduais do MST e da CPT na Paraíba afirmaram que repudiam a comercialização de lotes em assentamentos e sabem da ocorrência de vendas e trocas, mas que não tem como controlar o problema.
Segundo Dilei Schiochet, do MST, a comercialização dos lotes ocorre com mais freqüência em assentamentos que não são acompanhados por movimentos sociais.
"Um ou outro caso ocorre nos assentamentos que administramos, e nós combatemos essa venda", afirmou.
Para Schiochet, também há omissão do Estado, que deve ser mais atuante no controle dos assentamentos. "O Estado faz uma lei que diz que durante dez anos não se pode vender o lote, mas, se o Incra não contribui para garantir essas leis, os movimentos sociais sozinhos não conseguem", disse.
Para Tânia Maria de Sousa, da coordenação da CPT, que acompanha o assentamento Santa Helena, a maioria dos assentados que comercializam lotes são ex-trabalhadores de usinas canavieiras.
"Eles não conseguem trabalhar para si e então repassam os lotes para outros", disse Sousa. FONTE: Folha Online ? SP