Especialistas e até dirigentes do Movimento Sem Terra (MST), o principal movimento social que atua no campo, apontam o dedo para o programa Bolsa Família quando explicam a desmobilização do movimento pela reforma agrária. João Jurandi da Silva, acampado na Fazenda da Barra, na região de Ribeirão Preto, resumiu da seguinte maneira a diferença entre os governos Fernando Henrique Cardoso e os de Lula para os sem-terra: "O Lula conseguiu com esse Bolsa Família o que o Fernando Henrique tentou, tentou e não conseguiu, que é deixar as pessoas fora das ocupações".
O efeito que o programa de transferência de renda teria sobre a mobilização dos acampados foi farejado pelos líderes do MST desde o início do governo. Os acampados não recebem o benefício, pois o MST apenas aceita cestas básicas. A medida preventiva de deixar o Bolsa Família do lado de fora dos assentamentos, todavia, não eliminou o interesse de uma leva de assentados originários das periferias das grandes cidades, que optaram pelo movimento por absoluta falta de opção de sobrevivência. O Bolsa Família "reassentou-os" na periferia, agora com endereço fixo, condição para receberem um benefício que depende de condicionalidades como freqüência dos filhos nas escolas, vacinação em dia das crianças e pré e pós-natal para gestantes e mães que estão aleitando.
O MST reconhece que o governo Lula não criminalizou o movimento, ao contrário de FHC. O reconhecimento do direito à luta pela terra, no entanto, não resultou em um fortalecimento dos movimentos pela reforma agrária. O líder do MST, João Pedro Stédile, tem insistido que todos os movimentos sociais passam por um "descenso", mas é de se reconhecer que, enquanto exercia uma política de tolerância política, o governo deu uma guinada na política de reforma agrária, abalando os alicerces do que era a disputa tradicional pela posse da terra. Pelos números, fica evidente que o governo priorizou políticas de agricultura familiar (ou seja, fixar os já assentados), em detrimento da simples distribuição de terra. O Ministério do Desenvolvimento Agrário informa que, entre 2003 e 2006, investiu R$ 8,2 bilhões em projetos de assentamento - o que faz e sempre fez o Incra. Na safra 2006/2007, no entanto, o governo investiu R$ 7,2 bilhões no Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf). Na safra 2007/2008, estão previstos R$ 12 bilhões para o Pronaf, R$ 168 milhões para assistência técnica e extensão rural (específica para a agricultura familiar), R$ 550 milhões para o Programa de Aquisição de Alimentos e outros R$ 600 milhões para o Pronaf Comercialização - além do Luz para Todos e obras de infra-estrutura voltadas para o escoamento da produção da pequena propriedade.
O governo, ao amarrar o programa de reforma agrária ao de assistência à agricultura familiar, conseguiu individualizar a assistência, isto é, retirou os movimentos sociais da posição de mediadores. Segundo o MST, do total de 1,2 milhão de contratos assinados do programa de agricultura familiar no ano passado, apenas 40 mil beneficiaram assentados do movimento.
Mesmo nas prioridades estabelecidas para o assentamento agrário, houve uma cisão entre a ação de governo e as necessidades dos movimentos. O governo priorizou o combate à grilagem de terra - e isso, por si só, definiu que a região Norte fosse a campeã de assentamentos no primeiro mandato, com 187.724 famílias. Nordeste vem em segundo lugar, com 116.817 famílias. No Sudeste, tradicional foco da atuação do MST, foram assentadas 13.825 famílias. FONTE: Valor Econômico ? SP