O governo abriu um canal de negociação com o bispo Dom Luiz Cappio, em greve de fome há 20 dias contra a transposição das águas do Rio São Francisco. O chefe de gabinete da Presidência e assessor mais próximo do presidente Lula, Gilberto Carvalho, comunicou ontem que o governo aceita ampliar o programa de cisternas do semi-árido nordestino e prometeu, mesmo que a Justiça permita a retomada das obras de transposição, manter as máquinas paradas até o dia 7 de janeiro, quando termina a folga de natal dos militares.
As negociações entre o governo e Dom Cappio começaram no sábado. Gilberto Carvalho recebeu uma ligação do padre Oscar Beozo, ligado a Dom Cappio. Foi Beozo quem informou que a possibilidade de ampliação do número de cisternas no semi-árido - o projeto atual prevê a construção de um milhão delas - poderia servir para aproximar o bispo grevista do Planalto.
No mesmo dia, Carvalho participou da celebração da Festa da Natividade, no Vale do Anhangabaú e encontrou-se com o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer. O arcebispo apresentou o chefe de gabinete de Lula a parentes de Dom Cappio, a quem Carvalho reforçou a oferta do governo. Um dos parentes ligou para o grevista e colocou-o em contato telefônico com o petista.
Os dois falaram aproximadamente dez minutos pelo telefone. O bispo grevista repetiu que o governo era "insensível", demonstrou pouca disposição para o diálogo, mas prometeu que levaria a iniciativa ao "seu grupo". Por volta das 22h30, Gilberto Carvalho foi procurado pelo padre Rubens, ligado à Comissão Pastoral da Terra (CPT). Rubens apenas reforçou as palavras ditas por Cappio mais cedo: "O governo era insensível e a oferta, insuficiente para assegurar a abertura do diálogo".
No final da tarde de domingo, por volta das 18 horas, Gilberto Carvalho recebeu um novo telefonema, desta vez de Dom Dimas Lara Barbosa, secretário-geral da CNBB, entidade que já havia estado com o presidente Lula e Carvalho na semana passada. Dimas já havia falado com Dom Cappio e pediu para Gilberto Carvalho comparecer à sede da CNBB, em Brasília, na manhã de ontem.
No encontro, Gilberto deixou claro que toda negociação que iria transcorrer dali por diante tinha a expressa autorização do presidente da República. Pelo lado da Igreja, além de Dom Dimas, estavam presentes representantes da Comissão de Justiça e Paz; Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Cáritas.
Carvalho confirmou a disposição do governo em ampliar o programa de cisternas e de acelerar a revitalização do São Francisco. Mas disse que, em nenhum momento, o governo abriria mão de prosseguir com as obras de transposição. A decisão de suspendê-las temporariamente, até o dia 7 de janeiro, seria, assim, um sinal de "boa vontade" do governo para retomar o diálogo com o bispo grevista. Uma nova reunião está prevista para hoje, com a presença de técnicos do governo.
Essa é a segunda vez que o bispo Dom Cappio faz greve de fome contra a transposição do São Francisco. Da primeira vez, ele chegou a mandar cartas para o presidente Lula e acabou suspendendo a manifestação. Assim que parou de comer da segunda vez, Lula foi questionado sobre o assunto: "O bispo me deixa em situação difícil: escolher entre a vida dele e um benefício para 12 milhões de nordestinos", disse o presidente, em entrevista à TV Record.
Ontem, cerca de 50 integrantes de 18 movimentos sociais fizeram jejum coletivo de 12 horas, em frente à igreja da Candelária, no centro do Rio, em apoio à greve de fome de Dom Cappio.
Segundo um dos membros da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Léo Haua, o objetivo da manifestação é dar visibilidade à luta de dom Cappio. "O frei Cappio já está em jejum há 20 dias, e isso não sai na imprensa, não está sendo debatido na sociedade. Atos como esse vão colocando para a sociedade o que está acontecendo nesse projeto (transposição), que só atende os interesses das elites do agronegócio", disse Haua.
Leo Haua informou que a manifestação faz parte de uma ação nacional, com a adesão de sete Estados da federação. Além do jejum coletivo, as organizações elaboraram a carta intitulada Rio pela Vida de Dom Cappio, que já conta com mais de 200 assinaturas.
Para amanhã, quando será julgado um recurso para suspender as obras no rio São Francisco, estão sendo organizadas mobilizações em frente aos tribunais regionais federais das principais capitais brasileiras. (Com agências noticiosas) FONTE: Valor Econômico ? SP