Sintomaticamente, os economistas John Luke Gallup, Alejandro Gaviria e Eduardo Lara optaram pela interrogação ao intitular o trabalho, que acaba de ser publicado em livro pela editora Edusp: "Geografia é destino?" Os autores defendem que é fundamental compreender o peso da geografia na determinação das opções tomadas pelos governos e povos de cada região. O maior desenvolvimento nas áreas temperadas da Terra, por exemplo, tem raízes nas melhores condições de produção agrícola, inclusive em pequenas propriedades, sem necessidade do trabalho escravo que marcou os padrões de desenvolvimento de áreas até hoje mais atrasadas.
Adeptos do determinismo geográfico, Gallup, Gaviria e Lara condenam, porém, o fatalismo: as condições da geografia condicionam e limitam os caminhos do desenvolvimento, mas não impõem uma única direção, como bem demonstra o exemplo dos países do Leste Asiático. Se computados somente fatores da geografia, os asiáticos também situados em áreas tropicais teriam crescido a taxas ligeiramente inferiores às dos países latino-americanos nas mesmas latitudes. Os asiáticos mostraram que políticas e instituições - como educação e modelo de abertura de mercados - permitem superar os problemas impostos pela geografia.
Gaviria e Lara, ambos importantes economistas na Colômbia, são também conceituados consultores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (Lara é o principal conselheiro do departamento de pesquisa econômica do BID). O fato de influírem nas políticas de um dos principais financiadores de programas de desenvolvimento e infra-estrutura no continente torna ainda mais dignas de nota as conclusões do estudo sobre o papel da infra-estrutura e dos mercados no esforço de superação dos obstáculos geográficos.
Autores do livro condenam o fatalismo
A simples abertura comercial, sem condições de infra-estrutura para a produção e escoamento de mercadorias agrícolas, pode levar apenas a uma importação massiva de bens de consumo de maior valor agregado (industrializados), sem contrapartida no aumento de exportações, alertam eles. Ao mesmo tempo, o mero investimento de infra-estrutura para as regiões mais atrasadas pode revelar-se antieconômico e fora do alcance dos governos da região.
Os progressos tecnológicos, tanto em agricultura quanto em saúde aumentam o fosso criado inicialmente pelas condições geográficas, por se concentrarem em atender as necessidades dos mercados mais atrativos, nas regiões mais ricas. Mecanismos de mercado não resolverão esse problema e são urgentes soluções criativas que mesclem sinais do setor público e investimentos privados para superar dificuldades criadas pela geografia. Um dos alvos seria a forte incidência de doenças tropicais, especialmente a malária. Outro desafio é desenvolver culturas mais produtivas adaptadas ao solo das regiões tropicais.
Como se nota, não há resposta simples para vencer as condições fixadas pela natureza. Mas levar a questão geográfica ao primeiro plano é essencial para o resultado final das políticas de desenvolvimento, defendem os economistas.
Sabendo-se que os desastres naturais são, de fato, característica marcante desses tristes trópicos, capazes de explicar o atraso no desenvolvimento, passam a ter maior dimensão determinadas políticas públicas - de prevenção e redução de danos, e restabelecimento de infra-estrutura nas áreas afetadas por catástrofes, por exemplo. Descentralização e aperfeiçoamento do planejamento e infra-estrutura urbanos também estão entre os caminhos fundamentais para melhor enfrentar os obstáculos geográficos, inclusive essas catástrofes.
Um caso notável mencionado pelo livro é o da região de Santa Cruz, na Bolívia, hoje a mais rica do país, que se beneficiou de fatores geográficos, como a fertilidade da terra, mas desenvolveu-se graças a políticas deliberadas de transferência de renda e construção de infra-estrutura, com fortes investimentos públicos e estímulo ao investimento privado. Ao comentar brevemente alguns casos de países, os autores mostram como ainda é pouco conhecida pelos economistas a complexa combinação de fatores geográficos que afetam as condições de desenvolvimento, como é o caso da influência do clima sobre os indicadores de saúde, no Brasil, ou dos limites ao crescimento das cidades, na Colômbia.
O estudo dos três economistas tem o mérito de chamar a atenção para os fortes laços entre o planejamento macroeconômico e as preocupações vinculadas à geografia humana e física - em geral a cargo de ministérios diversos dos encarregados diretamente da "política econômica".
Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras
sergio.leo@valor.com.br FONTE: Valor Econômico ? SP