Sônia Filgueiras
Em 2007, o governo federal mais que dobrou suas despesas com cartões corporativos. O Portal da Transparência, mantido na internet pela Controladoria-Geral da União (CGU), mostra que R$ 75,6 milhões foram gastos por intermédio dos cartões, 129% a mais do que em 2006. O desempenho do mais importante programa social do Executivo não chegou nem perto disso: a expansão dos investimentos do Bolsa-Família no ano passado foi de 14,6%. Nos últimos anos, o aumento dos gastos com cartão é crescente. Comparada a 2004, a despesa é 4,3 vezes maior.
Implantados sob o argumento de que são instrumentos ágeis, eficientes e transparentes para realização de pequenas despesas, os cartões apresentam uma espécie de buraco negro em sua prestação de contas eletrônica: a maioria dos gastos foi feita a partir de saques em dinheiro. Ao serem divulgadas nos sistemas eletrônicos e sites do governo na rede de computadores, essas retiradas não trazem as informações sobre as despesas a que se destinam. Em 2007, elas chegaram a R$ 58,7 milhões, correspondentes a 75% do total. Em 2006, elas representaram 63% do total.
Indicado para pagamentos de pequenos serviços a pessoas físicas, em estabelecimentos onde o cartão não é aceito ou para gastos em localidades remotas onde a única alternativa seja a quitação em dinheiro vivo, o saque em espécie tem sido tradicionalmente a opção mais usada pelos milhares de servidores públicos que receberam o cartão. Para verificar como o dinheiro foi gasto, é preciso pesquisar os documentos apresentados pelo servidor à repartição pública na qual trabalha.
"É um golpe nos princípios da transparência e da publicidade", diz o deputado da oposição Duarte Nogueira (PSDB-SP), que apresentou requerimento pedindo que o TCU aumente a fiscalização dessas despesas.
Segundo o governo, ações específicas - o censo agropecuário e a contagem populacional de pequenos e médios municípios realizados pelo IBGE, ligado ao Ministério do Planejamento, e atividades de inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ligada à Presidência da República, antes e durante os Jogos Pan-Americanos - foram os grandes responsáveis pelo aumento no volume total e nas retiradas em dinheiro. Juntos, os dois eventos representaram gastos de R$ 40,2 milhões, que foram pagos quase integralmente em espécie.
O IBGE informa que as retiradas em dinheiro cobriram gastos de deslocamento de 80 mil pesquisadores remetidos ao interior do País. "As prestações de contas estão em um sistema interno informatizado que colocamos à disposição para a consulta de quem nos procurar", diz o diretor-executivo, Sérgio Cortes. A Abin explica que faz saques para preservar a natureza sigilosa de suas ações.
Nesse caso, o acesso é dado em caráter reservado ao TCU, à CGU e a alguns parlamentares. Outros ministérios também registraram expansão, entre eles Educação, Saúde, Previdência e Desenvolvimento Agrário, com maiores volumes.
Só três registram redução: Comunicações, Integração Nacional e Meio Ambiente, mas o impacto, de R$ 75,6 mil, é pequeno em relação ao total.
A CGU, responsável pelo controle interno dos gastos do governo, afirma que o aumento se deve a "fenômenos sazonais" e a um processo de migração de despesas antes feitas por intermédio de um sistema antigo para o do cartão. No sistema anterior, funcionários recebiam um suprimento, depositavam-no em uma conta em seu nome no banco e emitiam cheques. Segundo o órgão, feitas as compensações e exclusões, não haveria aumento real dos gastos na maioria dos casos. A CGU informa ainda que as despesas pagas com cartões corporativos são pequenas, situando-se entre 0,002% e 0,004% dos gastos totais do Executivo.
LIMITES E CRITÉRIOS
O próprio governo admite a necessidade de restringir saques em dinheiro. A CGU informa que estuda com o Ministério do Planejamento formas de fixar limites para os saques. "Sabemos que isso não pode ser feito de forma linear, mas observando-se o perfil de cada órgão e contemplando-se as excepcionalidades", informou a assessoria da controladoria.
Seria o caso de órgãos que operam em zonas rurais, como o IBGE em seus trabalhos de campo, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), ou são obrigados a fazer deslocamentos constantes e sigilosos, como a Polícia Federal e a Abin. "Consideramos o uso do cartão positivo. O que deve ser observado é a preferência pela compra direta mediante faturamento e a limitação dos saques em dinheiro para os casos em que isso seja inevitável", aponta o órgão.
Para o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), que investigou as despesas com cartões realizadas pela Presidência da República nas CPI dos Correios, além de limites, faltam critérios no uso dos cartões corporativos. "Com esse volume de gastos, o cartão está sendo usado de forma abusiva e fere a moralidade", critica ACM Neto. FONTE: Estado de São Paulo ? SP