19/12/2007
Depois de fechar o cerco nos canaviais nos últimos dois anos, as fiscalizações do trabalho irão se concentrar também nos pomares paulistas de laranja em 2008. Denúncias de trabalho infantil e condições insalubres foram detectadas este ano nos laranjais em diligências realizadas pelo grupo-móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério Público do Trabalho no Estado de São Paulo, maior produtor de cana e laranja do Brasil e do mundo.
As poucas fiscalizações em pomares - comparadas com o número muito superior de batidas nos canaviais - revelaram um quadro de infrações "como há muito tempo não se via no campo", segundo o procurador do trabalho Dimas Moreira da Silva. De modo geral, as condições de trabalho nos laranjais equivale, hoje, às da cana há alguns anos.
"Apesar do cenário mais hostil e desgastante, as condições de trabalho nos canaviais estão melhorando após as denúncias", diz Roberto Figueiredo, coordenador do grupo-móvel do MTE. "Olhamos tanto para a cana que abrimos a brecha para a laranja", afirma.
Neste ano, os órgãos realizaram em conjunto 18 diligências em canaviais (o dobro de 2006) , três em laranjais (contra uma no ano passado), e, pela primeira vez, duas operações em bananais e plantações de tomates paulistas, também com irregularidades. Quatro pessoas morreram em canaviais paulistas em 2006 e outras quatro em 2007, ante oito em 2005. Todas as mortes foram associadas à sobrecarga de trabalho. As operações se estenderam a 96 municípios este ano. Os fiscais e procuradores encontraram 1.695 trabalhadores sem registro em carteira e realizaram 678 autuações de infração de segurança e saúde.
Três regiões produtoras de laranja foram visitadas: Araraquara/São Carlos, Mogi Guaçu e Bebedouro. Nenhum pomar visitado apresentava condições básicas de trabalho - entre elas água potável, sanitários e abrigo para alimentação -, tampouco EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), como luvas e botas.
"Mas o que mais chocou foi encontrar crianças trabalhando", diz o procurador Moreira da Silva, presente em duas das três diligências nos laranjais. Segundo ele, seis menores trabalhavam nos laranjais da Fazenda Santo Antonio de Pederneiras, no município de Engenho Coelho, incluindo um de 11 anos e outro de 12. As crianças eram filhos dos trabalhadores.
Outra irregularidade diz respeito à pesagem das sacolas. Os colhedores de laranja, assim como os cortadores de cana, ganham por produtividade. Pela convenção trabalhista, cada sacola colhida deve conter 27,2 quilos da fruta. Eles ganham R$ 0,28 por sacola. Nas fazendas visitadas, o peso era maior. O piso da categoria é de R$ 415, caso a produtividade dos cortadores não supere o teto. Na Fazenda São José, na região de Cosmópolis, foram pesadas sacolas com até 35 quilos. "É a certeza de impunidade que faz essas coisas continuarem acontecendo", diz Moreira da Silva.
"Os casos envolvendo denúncias na laranja são pontuais", afirma Antonio Egídio Crestana, diretor da Federação da Agricultura e da Pecuária de São Paulo (Faesp) e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campinas (SP). Segundo Crestana, ele mesmo fez uma diligência voluntária na região de Campinas e Pirassununga e não encontrou as irregularidades apontadas pelas fiscalizações. Elias Souza, vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo (Fetaesp), afirma, contudo, que as denúncias de colhedores de laranja são cada vez mais constantes.
Assim como ocorria até há pouco tempo, as usinas alegavam que não podiam responder por trabalhadores terceirizados. Mas o discurso mudou. A União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) afirma que está acelerando o fim da terceirização (ver ao lado). No caso da laranja, o discurso inicial era o mesmo da cana. Procurado pelo Valor, Ademerval Garcia, presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (Abecitrus), afirmou não encarar como ameaça a decisão da fiscalização dos ministérios Público e do Trabalho de intensificar as diligências nos pomares. "É obrigação deles".
Garcia lembra que as grandes indústrias exportadoras (Cutrale, Citrovita, Citrosuco e Louis Dreyfus Commodities - assinaram em 1995 acordo com Abrinq e Organização Mundial do Trabalho (OIT, em inglês) se comprometendo a não adquirir produtos oriundos de fazendas listadas como exploradoras de trabalho infantil.
"Até há dois anos, nunca sofremos denúncia." Segundo ele, o Fundecitrus, braço de pesquisas do segmento, intensificará a visita de técnicos nas fazendas de laranja para um trabalho de conscientização. FONTE: Valor Econômico ? SP