24 de dezembro de 2007, 19:28 | Online
Atriz nunca esteve tão em evidência quanto agora; ela defende a não transposição Rio São Francisco
Bruna Fioreti, do Jornal da Tarde
SÃO PAULO - Nem a novela colocou Letícia Sabatella tão em evidência como o apoio que ela tem prestado a Dom Luiz Flávio Cappio nos últimos dias. A atriz de 36 anos já havia aparecido com lágrimas nos olhos ao conversar com o bispo, que fez uma greve de fome de 24 dias em protesto contra as obras de transposição das águas do Rio São Francisco. Depois, Letícia foi fotografada saindo aos prantos do Supremo Tribunal Federal, após a aprovação da continuidade das obras no rio. No final da semana passada, ainda enviou carta-resposta ao deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), que escrevera em um jornal carioca texto direcionado a ela em defesa da posição governista, favorável às obras.
A debilidade física encerrou o jejum de Dom Cappio. Mas a artista continua a lutar pela discussão de projetos alternativos para o semi-árido nordestino - de preferência dando voz a outras pessoas. Quando falou ao Jornal da Tarde, deixou claro que não quer aparecer, mas sim "trabalhar pelo social". Empenhada, insistiu para que a reportagem ouvisse outras pessoas a respeito do tema, se oferecendo para passar o telefone delas. Na outra ponta, respondeu sucintamente acerca de sua carreira. Não deu chance a perguntas sobre o sumiço de sua personagem na novela global das seis, Desejo Proibido. Sobre a emissora carioca, apenas disse que não limita sua atuação política. E deixou claro que não quer viver "em uma redoma".
O que você achou do texto que Ciro Gomes escreveu direcionado a você, publicado recentemente?
Foi como o (ator) Wagner Moura (que declarou apoio a Letícia) falou: "Que bom que o Ciro mandou essa carta que você pudesse responder." Na verdade, não mandei uma carta-resposta, mas sim uma carta-pergunta, na qual questiono as coisas que ele escreveu. Mas acho que o mais interessante é que haja discussão sobre isso (a questão do Rio São Francisco). Que as pessoas saibam os pontos que estão colocados e saibam o que está acontecendo.
O que a leva a participar dessa discussão tão ativamente?
É a prática natural do exercício da cidadania. A história está aí para comprovar o poder da mobilização social. Desde o começo, as pessoas se mobilizam para sair da selvageria, para transformar situações difíceis, melhorar mesmo, cobrar do governo... O governo é um espaço de participações. Os movimentos populares do Brasil têm histórias de transformação social. Então, não vejo nenhum motivo para não ver isso como natural.
Talvez chame atenção do fato de você ser atriz e famosa - são poucos com este perfil que assumem posições políticas.
Pra mim, é absolutamente natural.
Você sempre se engajou?
À medida em que você vai conhecendo mais coisas, vai abrindo caminhos, vai trilhando lugares diferentes. Toma conhecimento de que existe trabalho escravo... Vai tomando mais consciência da realidade do país em que a gente vive. É preciso mostrar que existem crimes contra os direitos humanos. E agora a gente tem esse momento em que a água passa a ser vista como mercadoria que vai gerar lucro para alguns, sendo que ela é um bem comum e que deve ser melhor distribuída, para todos. Tem que tomar cuidado com isso. Não pode monopolizar seu uso, concentrar.
E você acredita que o projeto de transposição vai nessa linha, de concentração?
Ele concentra o poder sobre a água. É preciso descentralizar esse poder, democratizar. Além disso, precisa-se pensar no custo da transposição, no custo dessa obra, porque estamos lidando com dinheiro público. Então, para que se use bem o dinheiro público, é preciso que se analise qual o motivo de ser esse o investimento, de ser nesse projeto. Qual o critério de escolha?
Qual o ponto crítico do projeto de transposição?
Acho que o custo dele deveria ser rediscutido. Na verdade, o projeto inteiro em si deve ser rediscutido. Ele serve a um modelo de desenvolvimento que prioriza mais o uso industrial. É um custo exorbitante e não vai beneficiar tanto as casas. Então vai tirar bens do povo e gerar lucros que não serão distribuídos democraticamente.
Você defendeu a atitude de Dom Cappio como nobre. Como encara o jejum, a luta dele? Por que apoiá-lo?
Bom, está havendo uma dificuldade mesmo de mobilizar aprendizes nesse momento. Há tantas questões, pessoas desabrigadas, o crescimento do etanol, o trabalho escravo que com a produção do etanol pode aumentar novamente... Outras questões que precisam ser atendidas no País. Existem propostas alternativas a essa intenção do governo, que pensam no semi-árido de um modo mais orgânico de captar a água em pequenas cisternas para ajudar muitas pessoas... Essa causa é legítima, tem que ir para o diálogo. Consigo enxergar e até entender a dificuldade que é ser ouvido e tentar mudar. Ainda mais agora, quando é tão difícil mover montanhas, um homem de fé como ele é apela para aquilo que tem de mais precioso, e oferece uma oração preciosa, um rito tão profundo, sagrado. Ele fez um ritual mesmo de oração e jejum extremo, a ponto de doar até a própria vida por uma causa que acreditou justa. Por quê? Porque sabe que, da maneira como se encontra o projeto, não haverá condição de vida melhor para aquela população, que depende da saúde dele.
Você era identificada como simpatizante do governo Lula. Agora está em oposição?
Eu estou exercendo meu direito de cidadã dentro de um País que tem o governo Lula. Não estamos falando de apoio político.
Nesses dias, você se posicionou bastante, chorou pela causa. Acha que isso pode prejudicá-la na Globo?
Nunca me prejudicou. Tenho de trabalhar e vou continuar trabalhando.
Não teme qualquer indisposição dentro da emissora?
Tem coisas que são prioritárias, né?
E você escolheu essa causa como sua prioridade?
Prioridade é não temer o resultado... Enfim, você age por valores mais humanitários, de compaixão. E cresce, né? Acho até importante para o meu trabalho de atriz eu não ficar numa redoma... Talvez a Globo ajude, com todas as benesses que me oferece e o direito de poder trabalhar... Mas o importante é que eu faço bem o meu trabalho de atriz na emissora. Não há problemas em relação aos outros trabalhos que tenho, com outras pessoas, que convivem de perto com esse mundo. É um espaço que tem arte. Estou fazendo arte com esse trabalho. A gente não pode criar um ditador imaginário, senão acaba por criar um ditador externo mesmo. Se é que já não estamos tão psicologicamente convivendo com esse ditador que estamos imobilizados. Acho que não. Está provado pela História que existe a força dos movimentos populares, da cidadania. E que foram uma demanda do próprio presidente: que os pobres participem desse governo como uma democracia. Ele entrou com um carisma de esperança, pelo prazer da participação popular.
Quanto de seu tempo esse tipo de trabalho voluntário ocupa?
É muito pouco. É que agora estava de férias...
Você é religiosa?
Acho que sim. Todo mundo tem seu lado místico. FONTE: Estadão Online ? SP