A principal autoridade agrícola da Europa reafirmou ontem o compromisso do continente em expandir o etanol e acusou a imprensa internacional e ativistas de estarem transformando o biocombustível em "bode expiatório". A Comissária de Agricultura da União Européia (UE), Mariann Fischer Boel, rejeitou a tese de que o etanol seja o responsável pela alta nos preços dos alimentos, culpou os especuladores e garantiu que a UE seguirá com suas metas de aumento do uso do combustível nos próximos anos, até mesmo com a importação do etanol.
Segundo ela, em 1998, o volume de investimentos no setor chegava a US$ 10 bilhões. No ano passado, foram US$ 140 bilhões. "Apenas em fevereiro, 140 produtos financeiros com base nas commodities foram lançados. Esse é o maior número já registrado", afirmou Mariann, insinuando a participação dos especuladores na alta dos preços.
A declaração feita em Bruxelas foi considerada uma dura mensagem às críticas cada vez maiores que existem na Europa em relação ao biocombustível, inclusive por parte de alguns governos. Mesmo dentro da UE, alguns comissários alertam para os riscos da expansão, alegando que o projeto deve ser feito com cuidado.
Classificando a ofensiva contra o etanol como uma " tempestade feroz", Mariann alertou que a "a caça a um bode expiatório" não pode impedir que se faça uma análise profunda da situação. "Os biocombustíveis não solucionarão todos os nossos problemas, mas também não são os responsáveis pela fome. Usado de maneira correta, pode ser uma arma contra mudanças climáticas e até um seguro contra problemas de fornecimento de energia."
Na avaliação dela, o problema de eleger um bode expiatório é que ele é "apenas uma solução simbólica". "Podemos mandar o bode para longe, mas os problemas continuarão", alertou. Para Mariann, os altos preços não devem ser vistos apenas como algo ruim, já que há a perspectiva de que possam gerar uma maior renda para os agricultores nos países pobres.
Para ela, os reais causadores da alta dos preços são a China e a Índia, com o aumento de sua demanda por alimentos, principalmente carnes. "Uma mudança na dieta em direção às carnes em países com mais de 1 bilhão de pessoas (cada) tem um impacto enorme sobre os mercados de commodities", afirmou. Segundo ela, para a produção de 1 quilo de carne de porco são necessários quatro quilos de cereais. Outro problema seria o clima, que afetou a produção em países como Estados Unidos, Canadá, Rússia, Ucrânia e Austrália, além de outras partes da Europa.
Na opinião de Mariann, os biocombustíveis podem de fato ter impacto positivo sobre o meio ambiente. Hoje, 20% das emissões de gás carbônico vêm do setor de transporte na Europa e o etanol poderia ajudar a "controlar esse crescimento destruidor".
Ela ainda apontou que o etanol seria importante para a segurança do abastecimento de energia no continente. Hoje, o combustível para transporte depende em 98% de importações. Oitenta por cento vêm de apenas cinco países: Rússia, Arábia Saudita, Líbia, Irã e Noruega. "Por motivos políticos e econômicos, essa não é uma posição confortável."
Segundo a comissária, a UE terá de importar etanol para alcançar a meta de abastecer 10% dos carros com biocombustíveis em 2020, o que deve favorecer o Brasil. A entrada do combustível ainda dependerá de um selo verde para garantir que a matéria-prima usada não gere desmatamento e reduza de fato as emissões de CO2. No caso da cana, a redução seria de 74% em comparação às emissões do petróleo.
A UE, porém, avisa: só venderá etanol à região quem cumprir as exigências ambientais. "Essa será a diferença entre fazer negócio ou não com a Europa", disse Mariann. FONTE: O Estado de São Paulo - 07/05/2008