A agricultura do futuro deverá ser uma atividade sustentável social, ambiental e econômica, diz um relatório elaborado por 400 especialistas internacionais e apresentado hoje na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, em inglês).
O documento ainda prevê que a atividade agrícola deve ser desenvolvida em torno dos pequenos produtores e menos dependente dos combustíveis fósseis.
Os autores do texto, aprovado por 59 países e divulgado em meio à disparada dos preços dos alimentos em todo o mundo, não renunciam à produtividade agrícola, mas sustentam que esta deve conviver em equilíbrio com a conservação dos recursos naturais.
Os pequenos produtores e a agricultura familiar passam a primeiro plano nas pautas para o modelo agrícola proposto pela chamada "Avaliação Internacional do Papel do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia no Desenvolvimento Agrícola".
Guillermo Calvo, consultor da Unesco, explicou à Agência Efe que o sistema baseado apenas na produtividade permitiu gerar lucros reais, mas que "foram distribuídos de forma muito desigual em nível global e tiveram um custo ambiental e social".
O relatório, que não propõe objetivos quantificados nem prazos, aposta na conservação dos recursos como caminho para a sustentabilidade agrícola, no sentido mais amplo do termo.
O documento também defende um sistema de comércio agrícola mais eqüitativo, que ajude os países pobres a alcançarem a segurança alimentar, e um sistema de "comércio justo" que reduza os custos para os pequenos produtores e fortaleça os mercados locais.
Segundo o texto, "os choques de preços e os fenômenos climáticos extremos" exigem a implantação de "um sistema global de vigilância e intervenção" para que seja possível prever os grandes problemas alimentícios e as crises de fome provocadas pelos preços com suficiente antecedência.
O relatório pretende desenhar a rota de um desenvolvimento agrícola que favoreça a integração social e ambiental, motivo pelo qual defende uma mudança estrutural que abranja a ciência, a tecnologia, as políticas, as instituições e a capacidade de investimento.
O documento ainda pede o reconhecimento dos diversos papéis da agricultura, desde a produção de alimentos até o serviço aos ecossistemas.
De acordo com o texto, o papel da agricultura na ecologia ganha destaque em um momento no qual a mudança climática está em evidência no debate público e político.
Por este motivo, é recomendada a aplicação dos conhecimentos, da ciência e da tecnologia agrícolas para esboçar um modelo de atividade agrícola mais eqüitativo que sirva para enfrentar desafios como a pobreza, a mudança climática, a saúde humana, a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental.
Para que seja possível implantar a mudança na qual apostam os autores do documento, é preciso reestruturar e estabelecer novas redes intergovernamentais e independentes baseadas na ciência.
Para isso, é preciso incentivar um diálogo interdisciplinar que relacione as ciências humanas e ambientais com a agricultura, além de diversificar as explorações e descentralizar as oportunidades tecnológicas, sem esquecer a necessidade do aumento dos investimentos públicos e privados.
Os autores do relatório não se pronunciaram claramente sobre o polêmico uso de organismos geneticamente modificados.
Quanto ao também polêmico tema dos biocombustíveis, os especialistas disseram que o custo dos de primeira geração produzidos a partir de cultivos agrícolas - bioetanol e biodiesel - é competitivo "só em determinadas circunstâncias favoráveis".
Para os autores do documento, o desvio de plantações agrícolas para a produção de combustíveis pode causar impactos nos preços dos alimentos e a luta contra a fome.
O relatório global também teve uma versão restrita à América Latina e ao Caribe, a qual prevê que as duas regiões devem revisar as políticas de acesso e propriedade da terra e evoluir rumo a um sistema agrícola de "inovação" que incorpore pequenos produtores, indígenas e ecoagricultores.
A chamada "Avaliação Internacional do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia no Desenvolvimento Agrícola na América Latina e no Caribe", uma análise realizada durante mais de dois anos por pesquisadores de 15 países, ressalta que a região deve "reavaliar a importância da agricultura".
O documento destaca a importância desta atividade, "não só como motor de desenvolvimento econômico gerador de emprego", mas também pela contribuição do meio rural em serviços ambientais.
O texto recomenda que as políticas de acesso e propriedade da terra sejam revistas, em uma região que é descrita como "a que tem a estrutura fundiária mais desigual do mundo".
Os autores do documento defendem a transição para modelos agrícolas sustentáveis que "recuperem as forças" dos conhecimentos de três sistemas produtivos.
O primeiro seria o tradicional-indígena, baseado no conhecimento local; depois, o "agroecológico", que considera os sistemas produtivos como ecossistemas; e por fim, o convencional "produtivista", que tende para a monocultura.
Segundo o documento, nos últimos 60 anos a produção cresceu para satisfazer a demanda interna e a exportação, mas não respondeu aos problemas dos pequenos produtores e nem aos das comunidades tradicionais e indígenas.
Os autores do relatório recomendam a promoção de uma maior participação e democratização da agricultura a fim de integrar os setores que foram excluídos.
Os especialistas também defendem aproveitar o potencial de novos campos como a biotecnologia, as tecnologias da informação, a biomedicina e a medicina alternativa, "para gerar soluções à pobreza e a suas conseqüências".
Para tanto, os autores apostam em um marco institucional que favoreça a criação de modelos de governança descentralizada, o desenvolvimento da educação intercultural e o fortalecimento dos vínculos diretos entre consumidores e produtores de alimentos.
Além disso, o texto insiste na necessidade de avançar rumo a um abastecimento energético alternativo e à redução das emissões de gases poluentes, entre outros aspectos. FONTE: Último Segundo/IG