Ultimamente, a vigorosa desvalorização do dólar, coadjuvada por seca e doenças, ensejou a necessidade de prorrogar operações de custeio e investimento que seriam amortizadas com a receita - frustrada - das safras 2004/2005 e 2005/2006 -, prejudicando o rating de produtores junto aos bancos. Alguns também tiveram abaladas as relações comerciais com fornecedores de insumos ou compradores da safra.
O alongamento dessas dívidas e a redução do seu custo de carregamento está na pauta de negociações em curso entre lideranças setoriais e o governo. Esperemos que as tratativas tenham bom resultado e permitam a superação desse grande empecilho à construção de um sistema mais moderno de financiamento ao setor rural.
O atual modelo de financiamento surgiu no começo dos anos 70, quando foram delineadas as bases das políticas agrícolas brasileiras, e estabelecidos três mecanismos operacionais: o Proagro, a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) e o Crédito Rural. O Proagro, um seguro de crédito, após gerar rombos orçamentários significativos e apresentar "forfaits" constantes nas indenizações, tornou-se desacreditado e pouco utilizado, até que foi resgatado pelo zoneamento agrícola e, recentemente, pela criação de regras razoáveis, que permitiram sua conjugação com o Pronaf.
Por outro lado, nos últimos anos cresceu o volume do seguro de produção, mediante ações como o subsídio aos prêmios, embora haja muito por caminhar neste campo.
A PGPM evoluiu para as opções e os prêmios da Conab. E a negociação de contratos futuros e de opções torna-se cada vez mais vigorosa na BM&F ou nas bolsas internacionais. E os novos papéis para comercialização vão se firmando.
Enquanto isso, o crédito rural subsiste, defasado e distorcido. Sua prática tem hoje pouco a ver com as premissas que nortearam a sua institucionalização: recursos públicos e risco não bancário, como alavanca da produção.
Naquele contexto, eram exequíveis procedimentos como o financiamento integral do orçamento, a projeção de receita com base no preço mínimo, o cálculo da capacidade de pagamento considerando juros negativos, a garantia constituída exclusivamente por penhor de safra futura, a prorrogação da dívida em função de frustração de receita, o prazo de espera para a comercialização da produção, etc.
A partir da década de 80, os financiamentos passaram a ser contratados com risco e recursos dos bancos. E com isso houve mudança da natureza do crédito, de "crédito rural" para "crédito bancário".
Como o crédito é de risco do agente financeiro, e este usa recursos captados ao público, trata de observar toda a legislação e regulamentação prudenciais aplicáveis à proteção dos capitais dos investidores, classificando o risco do produtor e fazendo provisões de crédito de liquidação duvidosa, estabelecendo limites de crédito, exigindo mais garantias, considerando a prorrogação e os atrasos de pagamento como agravante de risco, e o risco agravado como fator de redução do crédito. Isso pode ser adequado do ponto de vista do sistema financeiro, mas não colabora com objetivos da política agrícola. O crédito não alavanca a atividade sustentavelmente.
As regras de crédito não diferenciam o produtor que teve desvio de conduta daquele que teve a renda prejudicada por um fenômeno climático ou pela política macroeconômica, ou que teve que esperar melhor preço para vender a safra. Todos acabam sendo jogados na mesma máquina de moer carne, ficando sua recuperação inviável, na maior parte das vezes.
O crédito é burocrático, exigindo certidões e registros demorados. Os instrumentos de crédito são confusos e complexos. Predomina o papel impresso, parece que não há internet.
Por que não um crédito rotativo, pré-aprovado, para o conjunto das atividades do produtor rural, compatível com a sua rotina financeira? É preciso "desbancarizar" o crédito rural e isto seria possível com a criação de uma agência pública com as atuais atribuições normativas e fiscalizadoras do Banco Central (BC).
Somado com os recursos de investidores externos que virão com o grau de investimento do País, e com a redução das taxas de juros internas, isso significará a inserção no processo econômico de milhares de produtores, e no direcionamento de mais renda para o interior do Brasil.
kicker: Por que não um crédito rotativo, pré-aprovado para a atividade agropecuária
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) ROBERTO RODRIGUES* - Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior de Agronegócio da Fiesp e professor de Economia Rural da Unesp/Jaboticabal. Ex-ministro da Agricultura. Próximo artigo do autor em 25 de janeiro) FONTE: Gazeta Mercantil ? SP