30/01/2008
A Amazônia continua sendo uma terra de ninguém e não é surpresa que o desmatamento tenha voltado a crescer fortemente, pouco tempo depois de o governo ter comemorado sua redução. Ganância, quando não a pura bandidagem - que não encontra a repressão de um Estado desaparelhado, nem de um Judiciário ágil - , devasta há anos a região, com alguns intervalos de menor voracidade, que depende dos surtos de fiscalização ou do arrefecimento das cotações de produtos agropecuários.
Há um mutirão que põe em risco a floresta - empresários gananciosos, grileiros, madeireiras, servidores corruptos do Ibama, assentados com recursos do Programa Nacional de Assistência à Agricultura Familiar, mineradoras, siderúrgicas de ferro gusa e até índios a soldo de um ou mais interessados. Como quase sempre no país, há leis sem que existam os meios de garantir seu cumprimento. As autuações por desmatamento ilegal feitas pelo Ibama foram recordes em 2007 e somaram R$ 2,5 bilhões ("O Globo", 31 de dezembro). Ninguém paga nada, porque a punição é adiada dadas as brechas para recursos intermináveis. Um processo pode levar pelo menos quatro anos até ser julgado - e isso no caso de grandes infratores.
É importante identificar os culpados pelas transgressões, embora a discussão tenha resvalado para um corporativismo algo bizarro - seria da categoria dos sojicultores ou dos pecuaristas a responsabilidade? Há plantadores de soja que destroem o meio ambiente, e outros que não, e pecuaristas, idem. Confundir as coisas é o primeiro passo para não se fazer nada. O fato mais importante é que existem novos fatores de pressão econômica que favorecem o desmatamento que precisam ser coibidos.
O Censo Agropecuário divulgado pelo IBGE no fim de 2007 mostra que a área de lavouras mais que triplicou na Região Norte desde 1970 - aumentou 275%. Nos últimos dez anos, a área de pastagem caiu no resto do Brasil e cresceu na Amazônia - 33,8% ou mais 8,2 milhões de hectares em uma década. ("O Globo", 22 de dezembro). Estabeleceu-se na região a tradição de "onde o boi vai, a soja vai atrás", ambos alimentando uma devastação que tende a crescer com os ventos soprando a favor das cotações da soja e da carne, da qual o Brasil tornou-se o maior exportador mundial. A diferença, agora, é que a Amazônia Legal ultrapassou os 10 milhões de abates, 41% do total no país, segundo a ONG Amigos da Terra ("O Estado de S. Paulo", 26 de janeiro). Um em cada três bois do rebanho nacional pasta na região e mais estão a caminho, se os investimentos crescentes dos frigoríficos no Mato Grosso, por exemplo, servem de indicador. Paulo Barreto, do Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) fez um estudo que mostra a correlação forte existente entre a evolução dos preços do boi e da soja e a área desmatada na região.
Para se contrapor a interesses poderosos, os órgãos encarregados da repressão exibem absoluta fragilidade. Em Alta Floresta (MT), uma das zonas onde a destruição da mata é mais intensa, o escritório do Ibama, responsável pelar fiscalização de 13 municípios em uma área de 92 mil km2 , não tem sequer um carro. São três funcionários e seriam necessários ao menos 50, avalia Cláudio Cazal, chefe-substituto do Ibama na cidade ("Folha de S. Paulo", 27 de janeiro).
Diante da volta do desmatamento acelerado, o governo decretou o recadastramento de 80 mil propriedades sob o risco de corte no acesso ao crédito rural. É um paliativo, porque boa parte do abuso vem de proprietários sem título de posse, que fazem o que bem entendem, sem se incomodar com uma improvável punição. Esse não é o único absurdo. Até há pouco tempo os bancos oficiais da região ofereciam crédito subsidiado sem exigências de respeito ao meio ambiente. E não é seguro que o mesmo não esteja ocorrendo até agora. Sem apoio dos Estados e municípios, deter o desmatamento é impossível. Prefeitos e governadores, entretanto, são, em boa parte dos casos, suscetíveis às pressões econômicas, quando não diretamente instrumentos delas. A tarefa é enorme para repousar apenas sobre a União e, assim, a devastação prosseguirá, enquanto que os países desenvolvidos se preparam para a adoção de "barreiras verdes" para mercadorias de países como o Brasil, por desrespeito a normas ambientais. FONTE: Valor Econômico ? SP