No momento em que o Mercosul e a União Europeia discutem um acordo, não poderia ser mais oportuno o lançamento desse premiado filme em que o tema é o protagonismo feminino no enfrentamento de mineradoras e empresas transnacionais e em defesa do Meio Ambiente, no contexto do chamado neocolonialismo.
O documentário A ilusão da abundância, dos jornalistas Erika González, colombiana, e Matthieu Lietaert, belga, que escreveram o roteiro, produziram e dirigiram, será lançado em Brasília (DF) durante a 7ª edição da Marcha das Margaridas, organizada pela Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), que acontece nos dias 15 e 16 de agosto. O filme relata a luta de três mulheres pelas suas respectivas terras, povos e preservação ambiental, no Peru, Honduras e Brasil.
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As protagonistas do documentário são a brasileira Carolina de Moura Campos, do Instituto Cordilheira, de Brumadinho (MG), onde o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, da Vale, em 25 de janeiro de 2019, matou 270 pessoas e despejou milhões de metros cúbicos de rejeitos no Rio Paraopeba; Berta Cáceres, de Honduras, assassinada em 2016 devido às suas ações de defesa ambiental e das terras do povo Lenca, maior comunidade indígena do país; e Máxima Acuña, que venceu grande batalha jurídica contra uma empresa transnacional, chamada Yanacocha, que explora na região de Cajamarca, no Peru, a maior mina de ouro da América Latina e cujos planos de expansão ainda ameaçam os camponeses.
Cada história retrata invasões, desmandos, violências e absurdos cometidos por mineradoras, perda de muitas vidas e os desastres ecológicos por elas causados. Há total congruência entre a saga dessas mulheres e a trajetória da líder campesina que deu origem à Marcha das Margaridas, Margarida Maria Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba. Ela foi assassinada em 12 de agosto de 1983, a mando de latifundiários da região. Daí o significado emblemático do lançamento do filme durante o evento, em Brasília.
O documentário, com pré-estreia no dia 2 de agosto, no Cine Cultura Liberty Mall de Brasília, testemunha o empoderamento feminino num contexto socioeconômico complexo e aborda a relação desequilibrada entre a América Latina e as nações desenvolvidas, como se observa neste momento nas discussões do livre comércio entre União Europeia e Mercosul. Pelo lado deste, agora presidido pelo Brasil, são apontadas condições consideradas inaceitáveis de vários pontos do acordo, justamente pelo favorecimento exagerado ao bloco do Velho Continente.
“Continuamos a doar nossos recursos naturais para o desenvolvimento de outros”, salienta Erika González. Ela destaca a riqueza da América Latina em recursos naturais, mas lamenta que, ao mesmo tempo, a região continue sendo um lugar onde há fome, corrupção e miséria. “Perguntamo-nos por que não podemos sair dessa situação. Por isso, fiz o filme com Matthieu Lietaert. Fomos inspirados pelo livro As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Cinquenta e dois anos após a publicação da obra, que fala de mais de cinco séculos de colonização, questionamos por que a situação não mudou”.
Erika, uma jornalista profundamente comprometida com os direitos das mulheres, atuou por mais de 15 anos como correspondente em Bruxelas (Bélgica), onde também coordenou uma rede de ONGs. Ela conta que, em todo esse período, muitos ativistas relatavam o impacto negativo na América Latina das relações desiguais entre os continentes. “Isso nos inspirou a ter defensores da terra como protagonistas do filme, porque são eles que estão pagando o preço mais alto e colocando suas vidas em risco para proteger suas regiões, que muitas vezes representam sua casa, o meio ambiente e, em geral, o respeito aos direitos humanos”.
Matthieu Lietaert, PhD em lobby corporativo pelo European University Institute e premiado como melhor jornalista da TV belga em 2014, fez pesquisas em vários países. Juntamente com a colega colombiana, colheu depoimentos de mulheres em países latino-americanos. Foi um trabalho profundo, acrescenta Erika, enfatizando: “Sou feminista. Então, para mim é muito importante dar voz às mulheres em todos os aspectos da nossa sociedade, o que decidimos fazer neste documentário”.
A ilusão da abundância, que foi selecionado em mais de 30 festivais internacionais em 20 países, já foi premiado em certames que contemplam o gênero: Melhor Longa-metragem no 16º One World; Melhor Filme Ambiental no 15ª Millenium Doc FF; Melhor Filme Longa-metragem no 9º Portland Ecofilm Fest; e Menção Especial no 6º MujerDoc FF — todos em 2023. Com uma hora de duração, produção impecável, fotografia belíssima e narrativa jornalística muito bem-estruturada, o documentário mostra com precisão, dados e histórias comoventes a realidade do neocolonialismo.
Escolhido oficialmente pela FIPADOC Impact Lab e pela FIFDH Impact, A ilusão da abundância está sendo projetado como estratégia de impacto em eventos relevantes no mundo, onde estão sendo negociadas leis que obrigam as empresas a respeitarem os direitos humanos e o meio ambiente. Assim, já foi apresentado no Parlamento Europeu, em Bruxelas, Bélgica; no Escritório das Nações Unidas, em Genebra, Suíça; na Conferência de Biodiversidade das Nações Unidas - COP15, em Montreal, Canadá; na COP 2 do Acordo de Escazú, em Buenos Aires, Argentina; e, agora, na III Cúpula de Chefes de Estado UE-CELAC, acontecendo em Bruxelas.
Agora, na turnê pela América Latina, o propósito é obter regulamentação que proteja justamente aqueles que defendem o meio ambiente, principais e primeiras vítimas das falsas promessas de empresas mineradoras e hidrelétricas, que, com investidores internacionais, seguem iludindo e vendendo um falso “desenvolvimento” aos países do continente.