Essa é uma antiga pretensão de movimentos sociais e de grupos de esquerda, que há cerca de dez anos tentaram, sem sucesso, vê-la aprovada pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Aprovado o projeto, médicos formados no Brasil teriam seu diploma automaticamente reconhecido em Cuba e médicos formados em faculdades cubanas teriam o mesmo direito no Brasil. Com isso, os estudantes brasileiros que atualmente cursam medicina na ilha de Fidel Castro poderiam clinicar aqui com diplomas expedidos por faculdades cubanas.
Pelas regras vigentes, a validação de um diploma obtido em escola estrangeira depende não só de provas acadêmicas e de exames de proficiência técnica, mas, também, do reconhecimento do título por uma universidade credenciada pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (Capes). Além disso, quando não há similaridade entre os currículos, os estudantes formados no exterior têm de cursar as disciplinas que são obrigatórias no Brasil.
Evidentemente, os argumentos invocados para justificar a iniciativa conjunta dos governos brasileiro e cubano são de caráter exclusivamente político-ideológico. Uma das alegações - obviamente falaciosa - é que a maioria dos médicos formados no Brasil pertence a famílias de classe alta e só tem interesse em atender a população rica dos grandes centros urbanos. Outra é a de que as faculdades brasileiras valorizam apenas a medicina "curativa", enquanto as faculdades cubanas enfatizam a medicina "preventiva" e "sanitarista", formando profissionais que se dedicam à preservação da saúde e à prevenção de doenças entre a população de baixa renda.
A prova mais inequívoca do caráter ideológico do projeto está nos procedimentos para a seleção dos candidatos brasileiros a vagas na Escola Latino-Americana de Medicina de Havana (Elam), com direito a bolsa de estudos. Enquanto todas as faculdades brasileiras de medicina realizam exames vestibulares acirradamente disputados, privilegiando com isso o princípio do mérito, a Elam aceitaria automaticamente candidatos indicados pelo critério da afinidade política - por movimentos sociais, organizações não-governamentais (ONGs) e agremiações políticas. Dos 160 médicos brasileiros que obtiveram diploma numa faculdade cubana de medicina, desde 1999, pelo menos 26 foram indicados pelo MST. Neste ano, organizações indígenas já enviaram 36 jovens índios.
Com a má consciência de quem pretende substituir o mérito pela ideologia, o governo não deu destaque ao projeto e ainda instruiu a bancada situacionista no Congresso para que o tratasse com a maior discrição possível. Mas, com a viagem de Lula a Cuba, o tema veio a público, provocando imediata reação de conselhos e entidades médicas nacionais. Em nota oficial, a Associação Médica Brasileira (AMB) acusou o governo de propor "privilégios indevidos a médicos formados em Cuba" e classificou o projeto como um "grande absurdo". Segundo a entidade, o projeto está repleto de "subterfúgios" para ocultar seus propósitos ideológicos. O Conselho Federal de Medicina também emitiu nota advertindo que, se for aprovado, o projeto põe em causa a legislação que regulamenta a revalidação de diplomas obtidos no exterior. Em defesa do governo só se manifestaram ONGs, movimentos sociais e o relator do projeto na Comissão de Relações Exteriores, deputado Nilson Mourão (PT-AC). "Não podemos ceder ao lobby dos conselhos de medicina e ignorar que 1.100 municípios não contam com médicos", disse ele.
Não é difícil ver quem está com a razão nesse embate. Enquanto as entidades médicas acertadamente defendem os princípios da meritocracia acadêmica e da competência profissional, certa esquerda insiste em fazer política à custa da deterioração do já combalido sistema de saúde do País. FONTE: Estado de São Paulo ? SP