Marina Silva deixa como principal legado de governo sua luta pela conservação da Amazônia. Como ministra do Meio Ambiente, a ex-seringueira e companheira de Chico Mendes pôs a floresta brasileira nas agendas políticas, econômicas e ambientais do mundo. Entre sucessos e fracassos, dois resultados se destacam: o total de áreas protegidas federais na Amazônia aumentou mais de 60% em cinco anos e o desmatamento caiu quase 60% em três anos.
"Não há dúvida de que ela deixa uma redução importante do desmatamento", avalia Cláudio Maretti, superintendente de Conservação da WWF-Brasil. "Ela enfrentou o problema em todas as suas frentes."
Quando Marina entrou para o governo, o desmatamento estava numa curva ascendente de cinco anos (veja gráfico). Em 2003, a destruição passou dos 25 mil quilômetros quadrados. No ano seguinte, ultrapassou a barreira dos 27 mil km2 - o segundo índice mais alto da história. Nesse ponto, o governo lançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. Desde então, a devastação só caiu, chegando a 11.224 km2 em 2007.
Após um período inicial de euforia, muitos passaram a questionar o mérito do governo. Para alguns, a queda no desmatamento teve mais a ver com questões econômicas - em especial, a queda dos preços de soja e carne no mercado internacional, o que reduziu o estímulo para abertura de novas áreas para a agropecuária. Para outros, foi uma combinação de fatores econômicos e políticas de conservação.
Nos últimos 6 meses, com o reaquecimento dos mercados, o desmatamento retomou a tendência de crescimento, apesar da intensificação das chuvas e da fiscalização. Só em agosto será fechada a estatística anual.
Em termos de áreas protegidas, Marina deixa uma Amazônia muito mais blindada - pelo menos no papel - do que a anterior. Em cinco anos e meio, o governo Lula criou cerca de 230 mil km2 de unidades de conservação (UCs). Eram 351 mil km2 em 2003; hoje são 583 mil km2, um aumento de 66% segundo os dados do ministério. Muitas unidades foram criadas em áreas de conflito, diretamente na rota de expansão da fronteira agrícola e nas zonas de influência de grandes rodovias, como a BR-163 (Cuiabá-Santarém). Diferentemente das UCs anteriores, criadas quase sempre em regiões isoladas da floresta.
Faltou implementar muitos desses parques, que carecem de infra-estrutura básica e regulamentação adequada. Mesmo assim, os resultados mostram que as áreas protegidas coíbem a derrubada da floresta, ainda que existam apenas no papel.
Segundo o secretário-geral do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), associação que gerencia os recursos do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), o Brasil foi responsável por 40% das unidades de conservação criadas no mundo nos últimos 5 anos.
"Foi uma grande contribuição", disse Pedro Leitão. O Arpa foi criado em 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso, mas, de acordo com ele, foi executado em sua maior parte já no governo Lula.
"Marina é uma grande defensora do meio ambiente. Fico apreensivo com a saída dela", disse Leitão. "Acho que ela nunca foi devidamente valorizada pelo que a imagem dela representa no mundo. Marina foi um escudo protetor para várias decisões equivocadas do governo. Acho que o governo só não apanhou mais por causa dela."
IBAMA
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi bastante transformado na gestão de Marina, ainda que não necessariamente por vontade dela. Atacado pela demora em aprovar as licenças para construção das usinas de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira (Rondônia), o Ibama foi dividido em dois. A gestão das unidades de conservação federais ficou a cargo de um novo órgão, o Instituto Chico Mendes. A expectativa é que, com a divisão de responsabilidades, o licenciamento de obras se torne mais ágil.
Para o vice-presidente da ONG Conservação Internacional, José Maria Cardoso da silva, o Ibama ficou melhor aos cuidados de Marina. "Ela pegou o Ibama com um quadro técnico defasado, no qual muitas pessoas que trabalhavam lá eram consultores", contou. "Hoje o Ibama tem quadros técnicos. Lembro quando íamos até as unidades de conservação e dificilmente tinha uma pessoa responsável. E quando tinha, ela trabalhava sozinha. Hoje você vai a uma unidade e tem dois ou três funcionários."
AQUECIMENTO GLOBAL
O desmatamento é responsável por 75% das emissões brasileiras de dióxido de carbono (CO2), o principal gás do aquecimento global. Com a redução do desmatamento entre 2004 e 2007, portanto, reduziu-se também a contribuição do Brasil para as mudanças climáticas.
Quantificar essa redução, porém, é exercício complicado, já que a quantidade de carbono liberada varia segundo as características da vegetação e do uso do solo. Segundo Maretti, o cálculo usado pelo governo é de 360 toneladas de CO2 por hectare desmatado. Ou seja: para cada hectare de floresta que ficou de pé, 360 toneladas de CO2 deixaram de ser lançadas na atmosfera. "Se o Brasil fosse uma fábrica, seria como colocar um filtro numa chaminé", compara. FONTE: O Estado de São Paulo - 14/05/2008