A MP (medida provisória) da dívida agrícola saiu do forno às vésperas do cultivo de inverno, em que se destaca o trigo, um dos produtos classificados como "sensíveis" pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, para a economia do país.
Para cada saca que o Brasil produz de trigo, duas são importadas. Com o anúncio da renegociação dos débitos rurais, o governo espera ter acertado no timing do alívio financeiro para estimular o setor a elevar em 20% a produção nacional do cereal.
O governo Lula pretende lançar outras medidas no plano de safra, prometido para o próximo mês, para consolidar uma colheita de inverno mais robusta e preparar o caminho para que as próximas lavouras de verão também cresçam, aproveitando este momento de commodities valorizadas.
Apenas se a demanda e os preços nos campos se mantiverem em alta, será possível esperar que a nova renegociação saneie as finanças do setor, afirma o deputado federal Homero Pereira (PR-MT), presidente da Comissão Nacional de Endividamento da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).Segundo Márcio Lopes de Freitas, presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras, "o processo [de reestruturação das dívidas] contempla boa parte das questões" levantadas pelo setor.
Os representantes da produção se queixam dos impactos dos sucessivos planos econômicos desde o Cruzado, em 1986, sobre as contas dos agricultores. "Passados 13 anos [desde 1995, início do primeiro mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso], as dívidas passaram de R$ 25 bilhões para R$ 87,5 bilhões", afirma Pereira.Para o deputado, integrante da bancada ruralista, os números devem ser mostrados como argumento de que essa renegociação não representa privilégio, mesmo com a valorização dos produtos agrícolas. "A agricultura contribuiu para a estabilização da economia, com o superávit da balança comercial. A opinião pública deveria nos apoiar. Nos países desenvolvidos, o setor tem tratamento diferenciado até por segurança alimentar", diz Pereira.
Preços e custosPara José Carlos Hausknecht, diretor da MB Agro Consultoria, "com certeza a opinião pública vai achar estranho [o anúncio da renegociação], com os preços excelentes [para os produtos agrícolas]".
Hausknecht ressalta, porém, que "os custos de produção também estão em alta. O câmbio [pela valorização do real] também não ajuda".
Para ele, a situação é mais delicada nas regiões consideradas distantes, em que a precariedade da infra-estrutura é outro fator de pressão. "Em áreas mais próximas de centros consumidores e de portos para exportação, não faz sentido uma ajuda mais significativa. É preciso haver um critério para beneficiar quem de fato precisa", afirma."Os custos no campo subiram na mesma proporção da alta dos alimentos", diz Leonardo Sologuren, diretor da Céleres Consultoria. Segundo ele, desde 2000, os gastos para produzir grãos no país avançaram 75%, em média. Enquanto o preço do barril do petróleo não baixar, não há como reduzir as despesas com insumos essenciais, como fertilizantes, diz.Sologuren aponta a necessidade de a renegociação de alguma forma alcançar o endividamento dos agricultores com os financiadores do setor privado, como tradings e distribuidores, além de fornecedores de sementes e agroquímicos. FONTE: Folha de São Paulo - 28/05/2008