São Paulo, 4 de Junho de 2008 - Enquanto os principais líderes mundiais estão em Roma para discutir a crise dos alimentos em conferência da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), as indústrias brasileiras refazem para cima os cálculos do faturamento com as vendas externas. O crescimento da demanda acima da oferta está beneficiando indústrias e produtores brasileiros, que têm encontrado compradores cada vez mais flexíveis a negociação, ao contrário do cenário do passado, quando o setor acumulou prejuízos em função da valorização do real em relação ao dólar.
Nos últimos anos, muitos exportadores chegaram até mesmo a arcar com os custos para não perder espaço no mercado mundial. Ao que tudo indica, porém, a situação agora começa a mudar e as empresas brasileiras podem começar a recuperar suas margens. Tanto que a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) já reviu para cima suas estimativas em relação à exportação de alimentos processados. No início do ano, a expectativa da Abia em relação as vendas externas era atingir a marca de US$ 28 bilhões, ante os US$ 26,6 bilhões do ano passado. Agora, a estimativa é alcançar até US$ 30 bilhões. Em volume, no entanto, a previsão foi mantida, exportar 5% a mais em relação as 44,5 milhões de toneladas de 2007.
"Uma coisa é ter estoque e outra bem diferente é não ter. Esse cenário abre espaço para conversar sobre preços", explicou Denis Ribeiro, coordenador do departamento de economia da Associação.
Antonio Carlos Tadiotti, sócio e diretor industrial da Predilecta Alimentos, fabricante e exportadora de derivados de goiaba e tomate, contou que se surpreendeu com a procura, principalmente por polpa de goiaba, nas últimas semanas. "Os pedidos dispararam na semana passada", disse Tadiotti. "Os europeus estão praticamente desesperados. Vamos ter que desviar 15 a 20 dias da produção do mercado interno para atender aos pedidos do mercado externo."
O executivo afirma que, neste contexto, a empresa tem encontrado compradores mais flexíveis em relação a preços nos últimos meses. "Conseguimos recompor as nossas margens", afirmou.
Tadiotti afirmou que esse cenário, aliado a cotação da goiaba, cujos preços estão menores em comparação a 2007, devem ajudar a empresa a ampliar os embarques este ano. A expectativa inicial da Predilecta era exportar 12% mais em relação aos US$ 13,8 milhões do ano passado. "Estamos começando a rever esse crescimento", disse. "Está muito fácil para recuperar os preços porque hoje a crise é mundial no ramo de alimentos. Existe uma compreensão em relação aos reajustes", disse. A Predilecta negocia com tradings e com compradores diretamente.
Até mesmo o setor de massas, que tradicionalmente não é um grande exportador, pode encontrar possibilidades de bons negócios dentro da nova conjuntura internacional. Claudio Zanão, presidente a Associação Brasileira das Indústrias de Massas Alimentícias (Abima), contou que esse discurso alarmante de crise no setor alimentício pode favorecer empresas que queiram conquistar mais espaço no mercado internacional.
"As exportações brasileiras de massas dependem muito da ocasião", explicou. "É uma questão de oportunidade, mas sempre existem fabricantes que se aproveitam do momento", acrescentou Zanão, lembrando que já viu "fortunas que foram feitas em momentos de crise".
Aumento do consumoRibeiro, da Abia, cita os dados da FAO para explicar o fenômeno mundial de crise dos alimentos. Segundo a organização, de 1994 a 2007, o consumo médio anual cresceu em quase todas as categorias. A que registrou maior aumento foi o óleo de soja, cujo consumo subiu 5,6% a cada ano, em média. O consumo de frango vem na seqüência, com alta de 5,3% ao ano. O leite em pó integral registrou consumo 5% maior em média a cada ano. O consumo de farelo aumentou 4,8% e da carne bovina 1,7%.
"Há uma conscientização do problema de desbalanceamento entre oferta e demanda mundial de alimentos muito claro com a queda dos estoques mundiais", explicou Ribeiro.
Segundo ele, os produtos que registraram a maior redução dos estoques foram o trigo e milho, este último agravado por conta da produção de etanol nos Estados Unidos. "No ano 2000, por exemplo, o período entre o consumo e a produção de milho era de 130 dias. Em 2008 este período está em 76 dias", disse. "O do trigo caiu de 116 dias em 2000 para 76 este ano", explicou.
Para tentar segurar esse crescimento, as indústrias e os produtores apostaram no reajuste dos preços. De 1994 a 2007, o reajuste médio anual do preço do leite em pó integral, por exemplo, foi de 5,6%. O farelo teve reajuste de 3,4%, o óleo de soja 3%, o frango 1,2% e a carne bovina 0,5%
É este cenário que tem contribuído para o "desespero" dos compradores internacionais. A estimativa é que a adequação entre a safra e a demanda pode demorar nove anos, o que representa oito safras. "A nossa estimativa era de que de três a quatro safras resolveria, mas o crescimento brutal da China pode fazer com que demore mais", explicou Ribeiro.
Segundo ele, entre os itens produzidos no Brasil que podem ganhar espaço no mercado internacional estão o frango e a carne bovina. "A Europa tem muito estoque de leite em pó, teremos menos espaço", afirmou.
FONTE: Gazeta Mercantil - 04/06/2008