Os senadores da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) decidiram, após audiência pública nesta quinta-feira (3), criar um grupo de trabalho para estudar o caso da comunidade de Tapauá, no Amazonas, cujos moradores reivindicam ações que possam transformar a Reserva Biológica de Abufari, localizada no município, em área de preservação extrativista. Em audiência realizada nesta quinta-feira (3), representantes da sociedade local defenderam a mudança como saída legal para a garantia de exploração de recursos naturais dentro da área - única alternativa de sobrevivência, segundo eles, para quase 1.600 pessoas que vivem na área.
A intenção dos senadores é ouvir representantes de órgãos públicos envolvidos na questão, autoridades e entidades locais, para, em 50 dias, apresentar alternativas para o caso. Desde que a reserva foi criada, em 1982, a população ficou impedida de praticar legalmente atividades de caça, pesca e coleta. Como se encontra na categoria de área de preservação integral, a Reserva de Abufari também não pode ser equipada com serviços essenciais para uma melhor qualidade dos moradores, como escolas e unidades de saúde. Até mesmo os benefícios sociais - como o Bolsa-Família - ficam fora do alcance da população.
O parque é atravessado pelo Rio Purus, um dos maiores afluentes do Rio Amazonas. Além da diversidade de peixes, a área abriga um dos maiores bancos de reprodução de quelônios (tartarugas, tracajás e iaças) do país. A queixa dos moradores é que a reserva foi criada sem que se levasse em conta a existência das 400 famílias que habitavam o local à época. Ninguém recebeu indenizações ou proposta de remanejamento.
- Somos prisioneiros. Nem podemos usufruir dos bens da natureza nem temos como sobreviver de outro modo - lamentou Francisco Laurentino do Nascimento, descendente de um dos seringueiros que chegaram ao local ainda nas primeiras décadas do século passado.
AmeaçasNo depoimento, Laurentino reforçou denúncias sobre perseguições movidas contra a população por agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). De acordo com os relatos, as ações nem sempre se limitaram a medidas de apreensão dos produtos extraídos da natureza, mas também envolviam invasões de casas e até ameaças com armas de fogo. Disseram que as medidas repressivas persistem apesar de a legislação ter sido mudada, hoje garantindo atividades de sobrevivência em áreas de proteção enquanto não houver indenizações e remoções.
- Ainda somos considerados ladrões daquilo que sempre foi nosso - disse Marta Valéria Cunha, que vive no município e também coordena a Pastoral da Terra no estado da Amazonas (CPT/AM).
O prefeito de Tapauã, Almino Albuquerque, defende a alternativa da reclassificação do parque em reserva extrativista, mesmo que a medida alcance apenas uma parte dos 288 mil hectares da área total do parque. Como argumento a favor da mudança, ele disse que o Ibama nunca promoveu pesquisas na área, fato que caracteriza uma quebra das finalidades que justificam a criação das reservas de conservação. O padre Fernando Redondo criticou o governo, segundo ele mais preocupado em proteger os animais que as pessoas.
- Estamos mantendo pessoas em situação de ilegalidade e tem de ser encontrada solução para isso. Os quelônios são importantes, mas as pessoas também - afirmou o padre.
A primeira medida do grupo de trabalho será deslocar uma comitiva de integrantes da CRA para o município, para um levantamento inicial da situação. O requerimento para a diligência será apresentado pelo senador João Pedro (PT-AM) na reunião da CRA da próxima semana. O senador foi também o autor da proposta para a audiência.
- Temos pressa para resolver essa situação. Chega de sofrimento. Já são 25 anos de espera - cobrou Marta Valéria. FONTE: Agência Senado - 03/04/08