O Globo; Agência Senado
BRASÍLIA - O controlador-geral da União, Jorge Hage, contestou nesta terça-feira, em audiência na CPI das ONGs, a denúncia do representante do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, de que pelo menos R$ 12,5 bilhões foram repassados sem qualquer fiscalização pelo poder público a organizações não-governamentais. Furtado disse ainda que prestações de contas de repasses no valor de R$ 10,7 bilhões sequer foram analisadas.
- Como não há controle? Não endosso as informações. Isso é para manchete de jornal. Essas generalizações não servem para nada. Os controles estão longe de chegar ao ideal. O mais freqüente é a reclamação por excesso de exigências - rebateu Hage, sem citar Furtado.
Uma das preocupações de Hage foi exaltar o esforço da Controladoria Geral da União (CGU) para ampliar a fiscalização dos repasses para ONGs. As equipes da CGU estariam neste momento em campo em praticamente todos os estados, investigando 325 entidades que receberam recursos federais. Elas foram divididas em três grupos.
O primeiro inclui as 20 ONGs que mais receberam recursos federais no período de 1999 a 2006. Entre elas estariam a Fundação Butantã, a Pastoral da Criança e centrais sindicais como a Força Sindical e a CUT. O segundo engloba cerca de 120 ONGs que receberam entre R$ 2 milhões e R$ 10 milhões. O terceiro tem 180 entidades com atuação mais local ou regional, que receberam entre R$ 200 mil e R$ 2 milhões.
Hage diz que falta um marco normativo claro na relação de Estado e ONGs
Hage afirmou ainda que o maior problema na relação entre as ONGs e o Estado é a falta de um marco normativo claro. A maior parte dos problemas decorre, segundo o ministro, das imprecisões de uma legislação "nebulosa e lacunar".
O controlador sugeriu aos senadores que coloquem em debate na comissão, o que ele chamou de "uma alternativa mais radical e moderna" nas relações entre o governo e as ONGs que recebem recursos públicos.
- Talvez já seja hora de passar a avaliar o trabalho dessas entidades pelo seu resultado, e não apenas com foco nos aspectos formais das regras de aplicação de recursos pelos próprios órgãos públicos - disse
Hage afirmou ainda que a maioria das irregularidades constatadas na atuação de entidades desse tipo é ocasionada mais por aspectos formais, decorrentes de falhas causadas pela fragilidade da legislação, do que por aspectos dolosos, como a tentativa de fraudar o sistema para receber recursos da União.
O ministro participou de audiência pública organizada pela CPI criada para investigar a liberação de recursos públicos para as ONGs e para as organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips) - CPI das ONGs. Na sua exposição, Jorge Hage elogiou vários dispositivos do decreto que estabelece normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse (Decreto 6.170/07). No entanto, defendeu uma legislação complementar a esse decreto.
O ministro da CGU enfatizou vários pontos positivos do novo decreto que entrará em vigor em janeiro de 2008. A proibição de transferência de recursos a parentes de dirigentes de ONGs, a necessidade de chamamento público para o processo seletivo e a obrigatoriedade de que o convênio com essas organizações sem fins lucrativos preveja a forma de fiscalização e controle dos gastos são alguns dos pontos positivos apontados por Jorge Hage.
No entanto, segundo o expositor, há ainda falhas a serem corrigidas, como, por exemplo, em relação ao dispositivo que prevê que o chamamento público, previsto no mesmo decreto, deve estabelecer critérios objetivos visando à aferição da qualificação técnica e capacidade operacional do contratante para a gestão do convênio.
- Mas não há clareza do que é capacidade técnica. Não há regra - afirmou o ministro.
Para Jorge Hage, uma das formas de se corrigir esta falha seria não se ater apenas à apresentação formal ao analisar a capacidade da entidade para realizar o convênio, mas também a uma análise de campo, por meio de uma visita à entidade, para se verificar, in loco, a capacidade da entidade.
Relator diz que é problemático relacionamento entre Estado e 3º setor
O relator da CPI das ONGs, senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), destacou que é problemática a forma de relacionamento entre o Estado e o terceiro setor no Brasil. Já Alvaro Dias (PSDB-PR) observou que a CPI terá um trabalho árduo voltado para o aprimoramento da legislação do setor.
- Esse será o trabalho primordial dessa comissão. A impunidade nesse setor tem prevalecido e estimulado irregularidades e a desorganização dessas entidades vem na esteira dessa impunidade, sem dúvida - constatou o senador pelo Paraná.
O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) observou, durante o debate, que atualmente não há nenhum controle sobre a real aplicação dos recursos públicos, pois a maioria das ONGs não cumpre a exigência de prestação de contas dos repasses e, "mesmo assim, continuam a receber recursos", criticou.
O líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM), disse a Jorge Hage que espera da CGU "impessoalidade, grandeza e magistratura" na sua missão de proteger o Estado, "e não de servir ao governo Lula", observou. Já Lúcia Vânia (PSDB-GO) destacou que a falta de um marco legal para as ONGs é que permite "a brecha por onde saem os recursos públicos". Para Heráclito Fortes (DEM-PI), é preciso que a CPI volte sua atenção também para as ONGs estrangeiras, que, segundo ele, não são adequadamente acompanhadas.
Também participaram da reunião os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Sibá Machado (PT-AC).
A audiência pública foi coordenada pelo presidente da CPI das ONGs, senador Raimundo Colombo (DEM-SC). Na sua exposição, o ministro-chefe da CGU foi auxiliado pelos assessores Valdir Agapito e Luiz Navarro. FONTE: O Globo ? RJ