Era para ser um jantar de lideranças ligadas ao campo brasileiro no Senado. Mas virou uma ampla reunião de representantes de vários partidos, tendências ideológicas e de densidade eleitoral bastante distintas em defesa do setor.
As oito mesas dispostas no subsolo da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), na noite da última quarta-feira, abrigaram 17 senadores, o equivalente a mais de 20% da Casa. Entre os comensais estavam os principais líderes da oposição, um influente conselheiro do governo Lula e suplentes recém-alçados à titularidade. Em nome do campo, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) comandou o convescote. Ardorosa defensora do agronegócio no Congresso, a vice-presidente da CNA envolveu os colegas nos principais temas do setor.
Entre goles de uísque Black Label e de vinho Dom Laurindo safra 2005, os senadores foram "apresentados" a temas dos mais áridos e controversos, como o direito à propriedade da terra, a titulação de áreas de antigos quilombos, as relações de trabalho no campo e as candentes questões ambientais na Amazônia.
Em tom ameno, mesmo após uma madrugada insone causada pelo debate em torno da TV Brasil, Kátia Abreu foi logo ao ponto: "Temos que aumentar o número de senadores em defesa do agronegócio". Disse mais: "A agricultura não é um problema só dos produtores. É do Estado brasileiro". E emendou com uma relação de 904 projetos de interesse do setor, "convergentes" (353) e "divergentes" (372), em tramitação no Congresso.
Em alguns temas, a CNA foi ainda mais direta na catequese. Ao colega Aloísio Mercadante (PT-SP), ex-líder, conselheiro de Lula e presidente da poderosa Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Kátia Abreu, que relatou a proposta pelo fim da CPMF, ofereceu mais elementos: "Aquele PL [projeto de lei] que está lá na CAE, Mercadante, é para isso, viu?" A senadora referia-se a um projeto para sustar os efeitos de uma lei que obriga os produtores a cumprir, de forma simultânea, os graus de utilização e produtividade da terra. "Se tiver crise, não posso reduzir área plantada. Somos punidos e obrigados a sermos incompetentes", disse.
O senador assentiu com a cabeça e disfarçou com um batuque na mesa, recheada de salgadinhos do concorrido bufê Sweet Cake. O Incra, comandado pelo petista Rolf Hackbart, discorda frontalmente da CNA em questões fundiárias e agrárias.
Antes de degustar a picanha maturada e o filé de robalo acompanhado de risoto de camarão, os senadores, agora brindados com a presença dos líderes tucano Arthur Virgílio (AM) e democrata Agripino Maia (RN), ouviram também apelos para "refletir" de forma "suprapartidária" algumas questões. Kátia Abreu insistiu na urgência de uma lei para regulamentar temas concorrenciais e fortalecer os poderes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). "Hoje, essa defesa é zero, um gargalo medonho. Temos que enfrentar cartéis em defensivos e fertilizantes", disse.
Presidente da estratégica Comissão de Constituição e Justiça, o senador Marco Maciel (DEM-PE) apoiou a colega de partido. Com seu estilo direto e franco, a senadora avançou em assuntos de trabalho ao atacar o excesso de propostas de lei para regular o tema. "Quanto maior o aperto, mais informalidade teremos no campo. O aumento de obrigações levará a isso", alertou. Dados da CNA apontam informalidade de 55% no setor que tem 3,6 milhões de empregados. Quase uma hora depois do "concílio" rural, boa parte dos 17 senadores saiu à francesa. Entre eles, o petista Mercadante. FONTE: Valor Econômico ? SP