A comunidade nativa de Sagi, que habita a última praia do litoral sul do estado do Rio Grande do Norte, é a mais nova vítima da especulação imobiliária potiguar. A comunidade tradicional, que ocupa o lugar há pelo menos 150 anos, começou a sofrer o poder dos gananciosos pelo capital, em março, quando a advogada Suely Nunes Fernandes compareceu lá para fazer uma reunião com os agricultores locais.
Segundo ela, o senhor Waldemir Bezerra de Figueiredo, proprietário da empresa Imobiliária Bezerra Imóveis, supostamente adquiriu a Fazenda Sagi, medindo 75 hectares, em junho de 2005. Na ocasião, a advogada apresentou um contrato de PROMESSA DE COMPRA E VENDA, celebrado com uma empresa que sequer possui sede.
O motivo que levou a advogada até a comunidade foi a oferta de uma proposta de acordo, na qual o empresário deixaria os nativos permanecerem, plantando, na terra que ocupam há pelo menos 40 anos em troca de 10% da produção. Porém, quando precisasse da terra, os agricultores a devolveriam e seriam indenizados pelas benfeitorias. A proposta absurda de acordo foi rejeitada de forma unânime.
Durante a reunião, a advogada alertou para a prática de queimadas em área de preservação ambiental, argumentando que tais atos constituem crime, o que por si só seria capaz de retirar todos os nativos da terra. Vale lembrar que em comunidades pouco instruídas existe uma cultura enraizada de atear fogo no "mato" para então se fazer o roçado (plantações de subsistência).
De olho nessa fragilidade, o Sr. Waldemir Bezerra provocou a instauração do Inquérito Policial (que gerou o processo nº. 114.07.001002-4, comarca de Canguaretama) na Delegacia de Baía Formosa. Acreditamos que tal atitude foi no sentido de identificar e qualificar os agricultores que trabalham na área. Em seguida, provocou também o deslocamento de técnicos do IDEMA para realização de vistoria, ficando constatado a realização de queimadas.
Em 11/12/2007, com base em dados pessoais dos agricultores conseguidos por ocasião do Inquérito Policial de Baia Formosa, o empresário ingressou com uma Ação de Reintegração de Posse com Pedido de Liminar na comarca de Canguaretama (processo nº. 114.07.001772-0), a qual pode ser visualizada pelo link: http://www.tjrn.jus.br:8080/sitetj/pages/pesquisa/frame_pesquisa_seij.jsp
Antes de conceder a medida liminar consistente na reintegração de posse, a comarca de Canguaretama designou a realização de audiência de justificação, uma vez que os documentos anexados ao pedido do autor não eram suficientes para concessão da medida. Após ser adiada por duas vezes, a audiência de justificação foi realizada em 06/03/2008, dirigida pela Juíza substituta Dra. Daniela Cosmos, já que o juiz titular estava de férias.
Durante a audiência de justificação, somente as testemunhas do autor são ouvidas. Na petição inicial (requerimento dirigido ao juiz que inicia uma ação), a confusão cometida pelo autor foi flagrante, pois incluiu dentre os réus pessoas que seriam ouvidas como testemunhas, fora outros absurdos técnicos que, por questões éticas, não mencionaremos. Das três pessoas apresentadas pelo autor para serem ouvidas como testemunha, apenas uma foi ouvida nessa qualidade, pois as demais, por manterem algum interesse na demanda, foram ouvidas como declarantes. Por fim, o juiz titular, Dr. Rogério Januário de Siqueira, concedeu a medida liminar requerida pelo autor em 26/04/08.
Inconformados com a decisão, os advogados dos réus, Luciano Ribeiro Falcão (Projeto Direito Para Todos/ Núcleo de Estudos Brasileiros/ Brazil Foundation) e Waleska M. D. R. de Medeiros (Fetarn), recorreram ao Tribunal de Justiça do RN e conseguiram o efeito suspensivo da liminar concedida.
Detalhe interessante é que, mesmo com provas frágeis e depoimentos contraditórios, o juiz, antes mesmo de os réus apresentarem sua defesa, concedeu a medida liminar. Num momento em que o Governo Federal lança como prioridade a Defesa de Comunidades Tradicionais, como os Indígenas e Quilombolas, nos deparamos com situações vexatórias aqui no estado do Rio Grande do Norte. É triste, mas é a realidade. Não concordamos e por isso lutamos para transformá-la.
Natal/RN, 23/04/2008Luciano Ribeiro Falcão