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DITADURA NUNCA MAIS
Comissão da Verdade investiga perseguição às organizações sindicais
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05 de Julho de 2017



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ditadura nunca mais

A luta para garantir direitos aos trabalhadores(as) nunca foi fácil no Brasil – o último país de todo o continente americano a abolir a escravidão. Os primeiros movimentos de organização dos(as) trabalhadores(as) se deram já no final do século 19, sempre sob repressão do Estado. Em 1930, Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho e todas as entidades sindicais passaram a estar sob tutela do MTE, o que só mudou com a Constituição de 1988. Por muitos anos, a atuação do governo para controlar ou inibir os movimentos sindicais foi dura, mas ainda permanece na sombra.

Por isso, no início de 2014, a Comissão da Verdade criou um Grupo de Trabalho (GT) para realizar o levantamento das intervenções sindicais realizadas entre 1946 e 1988 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e analisar os processos que levavam a essas intervenções. Nesta quinta-feira, 6 de julho, será realizada em Belém (PA) a segunda audiência pública deste GT Comissão da Verdade no Ministério do Trabalho, encontro do qual participará representante da regional Norte da CONTAG.

A realização das audiências públicas é um dos eixos centrais do GT, com dois objetivos principais: apresentar aos atuais dirigentes sindicais o que é o trabalho de pesquisa sobre a repressão às organizações dos trabalhadores pelo Ministério do Trabalho e reunir documentação e testemunhos sobre como essa repressão se deu em cada região.

Intervenções do Estado no MSTTR durante a ditadura militar


O Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais não apenas resistiu ao regime imposto pelos militares como se fortaleceu ainda mais, apesar de toda a repressão. Em todo o País, agricultores se organizavam em sindicatos e federações e em novembro de 1963 a CONTAG foi criada institucionalmente. Quatro meses depois, o golpe dos militares veio forte sobre a luta por direitos.

Para o ex-presidente da CONTAG Francisco Urbano, o principal objetivo do golpe militar foi impedir a reforma agrária. Ele lembra que no dia 13 de março de 1964, o então presidente, João Goulart, fez um discurso na Praça 15, no Rio de Janeiro, onde anunciou o decreto que dedicava 10 quilômetros nas margens de rodovias federais, ferrovias, linhas de transmissões e açudes públicos seriam áreas prioritárias para reforma agrária. “E mais que isso: disse que não seria pago aos proprietários os valores relacionados às melhorias por causa das obras públicas. Bastou isso e 18 dias depois derrubaram o presidente. O golpe foi dado para impedir a reforma agrária, usando dois argumentos: o comunismo e a corrupção, ideias que vemos se repetir agora”, afirma Urbano.

Assim, a repressão contra o MSTTR, que tinha como uma de suas principais bandeiras a reforma agrária, foi bastante intensa. Assim que assumiram o poder, os militares intervieram em quase todas as federações e sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais existentes e também nomeou um interventor para a CONTAG, José Rotta. O primeiro presidente da CONTAG, Lyndolpho Silva, militante do Partido Comunista e vindo de Ribeirão Preto, foi afastado do cargo e exilado, primeiro no Chile e depois na França, somente regressando ao Brasil em 1979, quando foi aprovada a Lei de Anistia.

Em federações como a do Rio Grande do Norte, por exemplo, o então presidente, José Rodrigues Sobrinho, foi obrigado a renunciar e seria preso se não fosse a atuação de um bispo ligado à ala progressista da igreja católica. “Ele foi obrigado a ir para o Rio de Janeiro, mas quando chegou lá a Polícia Federal já estava esperando por ele, perguntando onde iria morar e que iria fazer. Ele precisou se exilar no Paraguai, ou seria preso e morto no Brasil”, conta Francisco Urbano. Além da renúncia do presidente, os interventores também confiscaram todo o dinheiro da federação.

Reuniões clandestinas e união para garantir a luta


Na imagem, quatro presidentes da CONTAG: da esquerda para a direita Aloísio Carneiro, José Francisco Silva, Lyndolpho Silva e Francisco Urbano

Além de ameaças, prisões, desaparecimentos e mortes de líderes comunitários e dirigentes sindicais, a intervenção do Estado nas ações sindicais também incluíam impedimento de reuniões, pressão e interrogatórios constantes, para intimidar quem se atrevia a compartilhar ideias e conhecimentos em defesa dos direitos dos trabalhadores(as). Urbano lembra que os delgados de política dos municípios, assim como prefeitos e outras autoridades, proibiam qualquer tipo de reunião de trabalhadores, que encontravam outras formas para se juntar.

“A gente se reunia nas casas uns dos outros, como se fosse um encontro de amigos, e muitas vezes uma pessoa tinha que ficar vigiando para ver se não havia ninguém estranho se aproximando. Era muito comum que os latifundiários armassem emboscadas para matar os trabalhadores depois que iam embora das reuniões”, conta ele. “Já nos reunimos na frente de jogo de futebol, para não despertar desconfiança, a gente levava a Bíblia junto. Se alguém diferente se aproximava, a gente começava a ler uma passagem, para disfarçar”, conta ele.

Em depoimento para a revista comemorativa dos 40 anos da CONTAG, o ex-presidente da confederação, José Francisco da Silva, relata as dificuldades daquele período. José Francisco foi o primeiro presidente da CONTAG desvinculado do grupo ligado à Rotta, depois da retomada da instituição do poder da intervenção estatal, em 1968. Ele apostou na formação e na organização do MSTTR nos 21 anos em que ficou à frente da instituição.

“Havia muita união. O inimigo foi cedendo, aos poucos, às nossas pressões. Naquela época, já realizávamos essa defesa, lançando mão até dos instrumentos jurídicos que se tinha, como a Constituição, o Estatuto do Trabalhador, o Estatuto da Terra, o artigo 508 do Código Civil, que dá direito à defesa da posse. (...) Havia um abuso de poder bem maior do que se vê hoje. Se, nos dias atuais, o latifúndio quase não tem medo de nada, imagine naquela época, com o Estado, a política e o dinheiro garantindo as oligarquias”, relatou José Francisco.

Intervenção nos sindicatos

Militante há mais de 50 anos no município de Paudalho (PE), Severino Lima, mais conhecido como Beija Flor, relata que a repressão aos movimentos de organização dos trabalhadores – tanto aqueles ligados à igreja quanto os relacionados com as ligas camponesas – sempre foi forte, especialmente por parte dos latifundiários. Mas após o golpe de 1964, a repressão passou a ser feita por dentro do movimento, com a nomeação dos interventores nos sindicatos.

“Na Zona da Mata pernambucana havia mais de 30 sindicatos de trabalhadores rurais antes do golpe militar. Depois sumiram todos, principalmente os das ligas camponesas, que defendiam a reforma agrária. Os dirigentes desapareceram, foram presos, morreram ou fugiram. O Ministério do Trabalho colocou interventores nos sindicatos e a gente não sabia em que lei eles se baseavam para tirar as diretorias eleitas. Em Paudalho, o interventor se chamava Alfredo, um homem que nunca foi ao campo não sabia nada de trabalho rural. Ele pegava o dinheiro dos trabalhadores e dizia que administrava o sindicato, mas não sabemos o que ele fazia com o dinheiro, porque com certeza não ia para a luta dos trabalhadores”, lembra Beija Flor.

“Mas os trabalhadores aos poucos começaram a se reorganizar, a federação de Pernambuco orientou que todos os sindicatos em que havia interventores fizessem eleições. Então fomos reconquistando os espaços, porque o Ministério do Trabalho respeitou as eleições. Como a repressão por parte da polícia militar ainda era grande, havia muita dificuldade de fazer reuniões, de ir nos engenhos. Então a gente ia nos canaviais, rezava terço, ensinava os analfabetos e aproveitava para falar de sindicalismo”, conta ele.

No Rio de Janeiro, o movimento sindical sofreu muito com a violência utilizada contra aqueles que se organizavam para a luta pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. O estado reunia alguns dos primeiros sindicatos do País, e seus dirigentes sofreram tortura, perseguição, exílio e muitos desapareceram. Um dos presidentes da Federação dos Trabalhadores Rurais do Rio de Janeiro, José Pureza, foi afastado e perseguido, assim como o dirigente Bráulio Rodrigues, que chegou mesmo a ser torturado. Houve violência ainda em sindicatos como o de Campos e Itaboraí, Magé e São José da Boa Morte.

É o que conta o atual presidente da FETAG-RJ, Oto dos Santos. “Hoje vemos o renascimento dessa perseguição, com as ações fortes e violentas da polícia contra nossas mobilizações, contra os acampamentos, com a criminalização de dirigentes sindicais. Precisamos resgatar essa memória para não deixar esse lado escuro da história se repetir”, afirma Oto dos Santos. FONTE: Assessoria de Comunicação CONTAG - Lívia Barreto



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