O direito à alimentação é ausente da vida de 850 milhões de pessoas. Mas erradicar a fome é mais barato que conviver com ela
HOJE, DIA 16 de outubro, comemora-se o Dia Mundial da Alimentação. Nesta data, em 1945, a FAO foi criada para ajudar a reconstruir um mundo devastado pela guerra. O preâmbulo da sua Constituição converge para assegurar um mundo sem fome. Exatos 62 anos depois, ainda lutamos por isso.
O tema do Dia Mundial da Alimentação deste ano é o direito à alimentação. Direito ainda hoje ausente da vida de 850 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo dados da FAO.
Na América Latina e no Caribe, o total de desnutridos caiu de 59,4 milhões, entre 1990 e 1992, para 52 milhões, entre 2002 e 2004 -de 13% a 10% da população. No Brasil, a queda foi de 18,5 milhões para 13,1 milhões, de 12% a 7%. Mas, olhando os números da produção alimentar na região, não haveria por que alguém passar fome no continente. Apenas o Haiti produz um pouco menos do que precisa para suprir as próprias necessidades energéticas. Na média, América Latina e Caribe produzem 30% a mais; no Brasil, o excedente é de 41%.
O Brasil tem avançado nos últimos anos para garantir a segurança alimentar da população. Em 2003, com o compromisso do presidente Lula, a fome entrou na agenda pública e, pela primeira vez, combatê-la se tornou prioridade do Estado brasileiro.
Com isso, a solução para o problema da fome deixou de ser vista pela ótica exclusiva do assistencialismo. Comer passou a ser reconhecido como um direito. Reconhecimento que se tornou lei em 2006, com a aprovação da Losan (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional).
Antes da Losan, o compromisso de combater a fome era só isso: um compromisso do governo de turno. Poderia ser ou não mantido pelos sucessores. Agora, não. O direito à alimentação é lei e, em última instância, o Estado tem o dever de garantir a segurança alimentar de todos os cidadãos.
O direito à alimentação já estava previsto na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), mas os números da fome no mundo mostram que ele ainda está longe de ser realidade. Na América Latina e no Caribe, além do Brasil, só outros três países têm leis que reconhecem esse direito: Argentina, Guatemala e Equador.
O desafio é transformar o direito em realidade. No Brasil, o Fome Zero contribui de diversas formas. O Bolsa Família, por exemplo, complementa a renda de mais de 11 milhões de famílias, permitindo a elas comprar mais alimentos e estimulando a demanda dos mercados locais.
As condicionalidades exigidas em educação e saúde para a entrega do benefício buscam ajudar as famílias a superar a fome e a pobreza no longo prazo: bem alimentadas, saudáveis e com mais anos de estudo, as crianças têm mais chances de romper o ciclo da pobreza e da exclusão social. Do lado da oferta, o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) oferece hoje crédito fácil e barato a mais de dois milhões de pequenos produtores em todo o país.
O sociólogo Betinho já dizia: "Quem tem fome tem pressa". É preciso dar de comer agora, mas criando as condições para que as pessoas possam satisfazer sozinhas as próprias necessidades no futuro. Por isso, a importância de englobar também ações de geração de renda.
A fome é uma das faces da desigualdade em nossa região e em nosso país. E é também uma de suas principais causas. Garantir o direito à alimentação é um primeiro passo para a inclusão social e uma sociedade mais eqüitativa e coesa.
Combater a fome traz ainda benefícios econômicos. Estudo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e do Programa Mundial de Alimentos revela que, em 2004, o custo de conviver com a fome na América Central e República Dominicana foi de US$ 6,7 bilhões, cerca de 6% do PIB. O estudo indica que, se a fome fosse erradicada até 2015, haveria economia de quase US$ 2,3 bilhões. Ou seja, erradicar a fome é mais barato que conviver com ela.
As condições estão dadas para que isso aconteça no Brasil e em toda a região. A FAO acredita nisso e trabalha com os governos regionais por meio da Iniciativa América Latina e Caribe Sem Fome para alcançar tal objetivo. Há produção alimentar suficiente e crescimento econômico sustentado.
Há um entendimento cada vez maior de que combater a fome é tarefa central de um projeto de desenvolvimento para que o século 21 não seja apenas a repetição ampliada das cicatrizes do passado. Sobretudo cresce a consciência de que, enquanto houver fome, não haverá segurança nem democracia efetiva -para quem come e para quem não come.
JOSÉ GRAZIANO DA SILVA , 57, professor licenciado de economia agrícola da Unicamp, é representante regional da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) para América Latina e Caribe. Foi ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome (2003-04).
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