Mesmo com uma possível recessão nos EUA, demanda por grãos deve se manter aquecida, favorecendo as vendas externas brasileiras
DA REDAÇÃO
As razões são diversas. Para uns, são os estoques baixos; para outros, a demanda forte. Há quem cite, ainda, a explosão dos biocombustíveis e a maciça presença dos fundos de investimento no mercado. Outros apontam a conjugação de todos esses fatores. A verdade é que as commodities agrícolas estão com preços recordes e não imaginados há alguns meses.
Com isso, o Brasil, um dos líderes mundiais na produção agrícola, deve colher receitas externas de US$ 73,6 bilhões neste ano apenas com o setor, conforme dados de Victor Abou Nehmi Filho, gerente da Sparta, administradora de fundos de investimento. O valor supera em 27% o de 2007.
Essas estimativas são modestas, segundo ele. Mesmo que haja desaceleração na economia norte-americana, os preços das commodities vão continuar acelerados. Se confirmados os dados de Nehmi, o Brasil registrará pelo menos US$ 62 bilhões de receitas líquidas com as commodities agrícolas -as importações devem crescer 30%, para US$ 11,4 bilhões.
O mundo tem os menores estoques de alimentos desde a Segunda Guerra, e a situação atual é muito diferente da daquela época, quando 70% das pessoas moravam no campo e podiam administrar melhor uma eventual falta de alimentos. Hoje, são apenas 30% que vivem da agricultura, afirma.
Anderson Galvão, da Consultoria Céleres, também diz não acreditar em queda de preços, mesmo com a eventual parada da economia chinesa. "A China é uma locomotiva que, mesmo que pise no freio agora, demora dois anos para parar."
Geraldo Sant'Ana de Camargo Barros, coordenador científico do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, também crê que a demanda internacional continuará firme.
"A esta altura, no entanto, as previsões são bastante incertas, principalmente nesta crise, que vem reservando várias surpresas por semana", diz Barros.
De qualquer forma, só uma catástrofe -e que afete China, Índia e Rússia- pode segurar a demanda. "Considero pouco provável a hipótese e acredito que o Brasil continuará vendendo bastante ao exterior."
Barros indica três motivos para a continuidade dos preços elevados das commodities: o crescimento dos emergentes, a queda do dólar (que fortalece as demais moedas) e a caída dos juros (que permite a retenção mais prolongada de estoques).
Outro que acredita no suporte dos preços é José Pitoli, da Coopermibra (Cooperativa Mista Agropecuária do Brasil), do noroeste do Paraná.
"O momento é de inclusão social no mundo", o que garante alta dos preços agrícolas. "A China tomou gosto pela comida e vai puxar o crescimento dos países emergentes."
Fernando Muraro, da Agência Rural, vai um pouco na contramão da análise dos demais. Ele diz que há uma série de fatores positivos que empurram para cima os preços das commodities, mas que a desaceleração da economia norte-americana não deve ser desprezada.
"A festa acabou", diz ele, se referindo aos Estados Unidos. Os problemas econômicos dos americanos devem forçar a redução da "financeirização" das commodities. Ou seja, uma saída parcial dos fundos, que hoje representam 40% dos contratos abertos em Bolsas.
"Apenas dados de oferta e de demanda não são suficientes para provocar a elevação de US$ 14 na saca de soja em apenas seis meses", diz Muraro, em referência ao aumento ocorrido no preço do grão desde setembro do ano passado.
Nehmi afirma que nenhuma crise econômica é igual a outra. Por isso, ele diz não acreditar em redução de demanda neste ano. "Com tudo correndo bem [com a safra agrícola], o cenário ainda é crítico e só vamos ter uma visão melhor [da safra dos EUA] a partir de julho."
Recomposição demorada
A recomposição de estoques, com uma demanda aquecida, deve ser demorada. Além disso, um crescimento de produtividade de 10% na produção mundial de grãos exigiria maior oferta de nitrogênio, produto com baixa oferta atual, relacionado ao petróleo, que também tem preços recordes.
"O cenário atual é de tempestade perfeita", diz Galvão, relembrando o início da década de 1970. Nesse período, a cotação do petróleo disparou, os estoques mundiais de commodities estavam deprimidos e os preços subiram. A situação se complicou com secas nos EUA e na antiga União Soviética.
Agora, só falta um colapso na safra. Se houver quebra de apenas 5%, "salve-se quem puder", afirma Galvão. "O Brasil, pela primeira vez, tem safra cheia [boa produção]", diz Nehmi.
Barros e Nehmi concordam em que o setor de biocombustível também será fator de pressão nos preços. Os programas de biocombustíveis reduzem os recursos produtivos para uso convencional em alimentos e fibras, diz Barros.
Para Nehmi, os biocombustíveis estão em uma fase em que a demanda começa a fazer a diferença, e o setor é mais atraente do ponto de vista estratégico.
Mas há riscos para essa alta nos preços das commodities. Mais do que a recessão, Barros acha que o risco de inflação mundial pode ser prejudicial ao Brasil. Se os emergentes não reduzirem seu ritmo de crescimento, uma forte e crescente pressão de custos -insuficiente produção de minérios, fertilizantes, agroquímicos em geral, petróleo, commodities etc.- provocará altos e perigosos níveis de inflação.
"Os remédios dos juros altos e do baixo crescimento -inclusive na China e na Índia- provocariam queda significativa do comércio. O Brasil, evidentemente, seria atingido tanto quanto os demais emergentes", segundo Barros.
Já Galvão vê a demanda interna e uma eventual redução na oferta de matérias-primas como fatores limitadores à expansão das exportações. O problema atual é de demanda aquecida, e não de produção ruim, afirma. Países ricos, onde o custo dos alimentos tem pouco efeito no orçamento familiar, não vão deixar de comprar esses produtos, diz o consultor.
(MAURO ZAFALON) FONTE: Folha de São Paulo ? SP