Nas ruas da pequena sede do gigantesco município de São Félix do Xingu -a maioria sem calçamento- contam-se oito vezes mais açougues do que padarias. Neles o filé mignon é vendido a R$ 7 o quilo, quase metade do preço da carne de segunda em Brasília.
Um deles encomenda de três a quatro bois por dia dos abatedouros locais. A carne -item quase obrigatório na dieta diária da região- é vendida sem inspeção sanitária.
Do período áureo do comércio de madeiras nobres da Amazônia a cidade coleciona ruínas. Exemplo são as cercas feitas de mogno que guardam o antigo hangar de Osmar Ferreira, o "rei do mogno", no aeroporto de São Félix.
Nas vizinhanças, madeireiras trabalham em ritmo lento, apesar de caminhões carregados com pranchas de ipê e jatobá terem deixado o município na semana passada, com destino a São Paulo. A venda de motosserras caiu pela metade desde 2003 e 2004 -sinal de que pelo menos nesse setor a ação repressora do governo surtiu algum efeito. "Sem documento [licença ambiental para retirada de árvores], não há muito o que fazer", disse o gerente de serraria Cícero Moreira.
Em outra madeireira local, toras de mogno apodrecem ao relento. Seriam resultado da apreensão de 18 mil metros cúbicos da madeira, extraídos ilegalmente de uma terra indígena do município cinco anos atrás. Foi a maior apreensão de mogno da história. A espécie, rara, valiosa e de comércio proibido, virou tabu.
Embora a exploração da madeira esteja em decadência, uma operação recente do Ibama mostrou que as motosserras continuam em ação. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) aplicou R$ 13 milhões em multas por desmatamento ilegal, segundo resultados preliminares da Operação Iriri.
Protegidos pelo Exército, os fiscais montaram base perto da fronteira da Estação Ecológica da Terra do Meio, a maior das duas unidades de conservação criadas pela União em São Félix em fevereiro de 2005, após a morte da freira Dorothy Stang.
A Folha sobrevoou durante três horas parte do município na quarta-feira passada. Grandes extensões de pastos novos avançam sobre a floresta. Numa cena freqüente, troncos queimados de árvores imensas -em pé ou tombados- são os únicos vestígios de que houve uma floresta no lugar.
A pecuária domina pequenas e grandes propriedades. "O problema é que o povo aqui só quer plantar capim, e o gado está ficando bom de preço", testemunha Sebastião Barbosa, ex-assentado da reforma agrária. Na propriedade em que cria 130 cabeças de gado, resta pouco mais de 10% de floresta.
A atividade ainda resiste dentro dos limites dos parques federais, como o Parque Nacional da Serra do Pardo, apesar da ordem de desocupação ter completado dois anos. (MS) FONTE: Folha de São Paulo ? SP