O Brasil passou a condicionar um acordo na Rodada Doha à obtenção de ganho imediato para o etanol brasileiro no mercado dos Estados Unidos, com derrubada de barreiras para o produto. "Temos de mostrar ganhos reais imediatos na rodada", disse o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, depois de reunião de mais de três horas com a representante comercial americana, Susan Schwab, ontem, em Roma.
"Ela (Schwab) também não quer ganho real em serviços, na indústria? Para nós, etanol é um bom exemplo e (a abertura do mercado americano) os ajudaria até a ser politicamente corretos, pois estão criticando o etanol de milho", afirmou o ministro.
O Brasil passou a cobrar mais por um acordo em Doha e isso deve se refletir em reunião de mais de 30 ministros de Comércio, organizada pela Australia, hoje em Paris. Para o Brasil, o mercado está dando ao agronegócio do país o que se esperava da rodada, como a queda de subsídios e redução de tarifas de importação. Nesse caso, os ganhos por Doha serão "sistêmicos", com disciplinas para consolidar a situação atual.
A questão do etanol é a mais politicamente sensível, já que os EUA mantêm uma posição que, na prática, ameaça fazer o produto ser o único excluído de liberalização em Doha, o que é inaceitável para o Brasil. Washington recusa-se a negociar a taxa de US$ 0,54 por galão que impõe na importação, considerada proibitiva, para preservar o mercado para seus próprios produtores de biocombustíveis.
Representantes do Ministério da Agricultura consideram importante pressionar Washington, mas admitem que se os EUA derrubassem a taxa agora, seria complicado para o Brasil. "Todo mundo iria querer exportar para lá e teríamos de frear ou proibir a exportação", disse um técnico do ministério.
Em Roma, à margem do encontro internacional no qual o tópico do etanol dominou o debate sobre a crise alimentar, Amorim recebeu também o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy. O ministro disse que Lamy "continua querendo" organizar uma reunião de ministros no fim deste mês, na busca de um acordo agrícola e industrial. O Brasil concorda com a reunião, mas Amorim parece menos certo de possibilidade de acordo.
A Austrália quer arrancar dos ministros, hoje, uma data para um acordo até o fim de julho. Mas vários países consideram isso politicamente perigoso, diante das enormes divergências entre exportadores e importadores. Para Amorim, mais o fim de Doha se aproxima, "mais se vê acidentes geográficos que não se viam antes".
Amorim e Schwab não discutiram sobre a briga do algodão, segundo o ministro. Mas ele foi claro sobre a posição brasileira, de que o país não hesita em continuar o pedido de retaliação contra os EUA por não ter implementado decisões da OMC para reduzir os subsídios. "É preciso ser aprovado o relatório (que condenou de vez os EUA), e aí vamos em frente. Daqui até lá não sei o que vai acontecer", completou.
FONTE: Valor Econômico - 05/06/2008