Mal começa a falar e o médico paulista André Reis, de 46 anos, já está desenhando o seu futuro. Especialista em patologias do ombro, ele diz estar sobrecarregado e sonha em poder "desacelerar" dentro de alguns anos. Hoje, Reis divide o dia entre a sua clínica ortopédica e a direção da Unimed de São José do Rio Preto, no noroeste do Estado. Mas quem irá garantir a aposentadoria, ele diz, não é a medicina. É a borracha.
"Eu queria alguma coisa que me desse um retorno sem que eu tivesse que trabalhar muito no futuro. E todos os dados mostram que a demanda por borracha natural vai continuar crescendo", diz o médico. Reis não teve dúvida: vendeu no ano passado as 700 cabeças de gado que mantinha em uma área de 133 hectares na região e plantou 15 mil seringueiras. Com esse investimento, ele deverá conseguir tirar 120 toneladas por ano de borracha, o que, nos preços de hoje, lhe garantiriam um rendimento anual de no mínimo R$ 140 mil.
A alguns quilômetros da sua residência está a sede da Chuveiros Robot, onde o diretor financeiro Nelson Navarro, 44, repete, quase que com as mesmas palavras, o raciocínio do ortopedista. Ele também quer apostar na heveicultura. Além do braço fabril, a família Navarro possui oito mil cabeças de gado em Goiás e terras no Triângulo Mineiro, por onde a seringueira entrará. "Vou começar com 30 mil pés em 60 hectares. Se der certo, amplio a borracha", diz Navarro, lamentando as dificuldades da pecuária impostas pelo Sisbov [sistema de rastreamento de bois] e pelos ambientalistas. "Essa fábrica me dá dor de cabeça. O boi virou um negócio ruim. A seringueira será minha poupança pro futuro".
Em comum, Reis e Navarro têm os olhos na implacável balança entre a oferta e demanda global de borracha natural - e a oferta é muito inferior às necessidades do mundo contemporâneo. Com um déficit mundial de 1 milhão de toneladas, a commodity ganhou preço dia a dia nos últimos anos. Atingiu na bolsa de Cingapura uma marca memorável: US$ 2.600 por tonelada, mais que o dobro da média histórica de US$ 1.200. E mantém-se cada vez mais distante da sua pior crise, no fim dos anos 90, quando a tonelada despencou para US$ 450 e afundou produtores do Brasil e do resto do mundo.
Outro fator importante para a formação das cotações foi o custo do petróleo, que impactou diretamente os preços da borracha sintética e ajudou a empurrar a cotação da natural para o céu. Como quase todos os produtos que utilizam borracha necessitam do composto - um mix de sintética e natural - , as duas commodities estão estreitamente "casadas". Quando uma sobe, a outra acompanha.
Só o patamar histórico talvez já justificasse voltar a investir na heveicultura. Mas é a perspectiva de demanda crescente no curto, médio e longo prazos que está aquecendo esse mercado no Brasil. Dados da consultoria Burger&Smit apontam que o consumo mundial estimado para 2020 será de 9,7 milhões de toneladas, quando a oferta estará em 7,1 milhões de toneladas. A China, o maior consumidor, comprará borracha como nunca.
O principal argumento de quem está chegando e dos que nunca saíram do setor é justamente o fato de a borracha natural ser um produto estratégico, de difícil substituição dada a sua alta elasticidade. Apesar de todos os avanços tecnológicos, há componentes da vida moderna que têm na commodity a sua essência. Caso de luvas, camisinhas e dos pneus de aviões, por exemplo. "O pneu tem de aguentar o peso todo de um avião na hora que pousa, e isso só a borracha natural suporta", explica João Sampaio, secretário de Agricultura de São Paulo e também um grande produtor de borracha.
É esse cenário de garantia de mercado que tem seduzido iniciantes no ramo. A empresa Hevea-Tec, segunda maior usina de beneficiamento de borracha do país, dá o tamanho desse movimento. Com 600 fazendas em produção, a empresa tem em seu portfólio outros 200 fornecedores que estão em fase inicial de plantio. Destes, 40 são agricultores que trocaram de cultura ou buscaram uma diversificação maior no campo. Mas os outros 160 são profissionais liberais, entre médicos, dentistas, advogados, empresários e funcionários públicos. Como Reis e Navarro.
"Esse é o pessoal que está fazendo o setor acontecer", resume Jaime Vasquez Cortez, presidente da Associação Paulista dos Produtores e Beneficiadores de Borracha (Apabor). Ele cita um dado surpreendente: 85% dos investidores neste setor têm diploma universitário.
Para um país onde os agricultores (grandes e pequenos) mantêm longa tradição de endividamento com órgãos públicos, a heveicultura tem uma característica peculiar. Só entra quem tem a tranqüilidade de um bolso cheio para investir em uma cultura que dará frutos - o látex - após sete anos. E fôlego para esperar por um retorno financeiro que só vem após dez anos. "É uma atividade elitista por natureza", diz Vasquez. Segundo a Conab, o investimento inicial na borracha é de cerca de R$ 8 mil por hectare no primeiro ano, caindo para R$ 2 mil por hectare nos anos seguintes.
A solução para a democratização da cultura seria uma política pública para o setor, dizem os especialistas. Para o produtor Marcos Lourenço Santin, pouco mudará no cenário brasileiro da borracha sem pesquisa, fomento e orientação técnica. "Sem isso, continuaremos vendo iniciativas soltas que não atendem a demanda".
Santin está há 30 anos no negócio. É um dos pioneiros da heveicultura no Brasil e sobrevivente da turbulência que começou no fim dos anos 90, detonada com a crise asiática, e atingiu seu ápice em 2001, com o desaquecimento global do pós-11 de Setembro. Enquanto muitos produtores brasileiros e asiáticos - líderes mundiais em produção de borracha - abandonavam o cultivo, Santin plantou mais seringueiras. Hoje ele tem 200 hectares e 90 mil seringueiras (45 mil em produção).
Isoladamente, Santin pode ser visto como um grande heveicultor. Mas ele e os demais produtores não conseguem, juntos, sequer atender à demanda interna. O Brasil deve fechar 2007 com volume de 108 mil toneladas de borracha, uma expansão de quase 2 mil hectares frente a 2006 mas estatisticamente nulo. Nesse mesmo período, consumiu 330 mil toneladas.
Enquanto a política pública não vem, os heveicultores aguardam pacientemente 2012, quando boa parte das mudas plantadas nos últimos anos começarão a "sangrar".
"Não penso em altos e baixos das commodities porque crises todas elas têm, e crises passam", diz Santin. "Só vou ver a borracha como um risco quando os chineses mudarem seus hábitos de consumo e o mundo deixar de ter carros. E sabe quando isso vai acontecer?" FONTE: Valor Econômico ? SP