Depois que virou banqueiro, Inácio Tota diz que deixou a pobreza para trás. "Foi o início do meu enriquecimento", afirma o agricultor de Soledade, município do semi-árido paraibano.
A sede do banco, porém, dá mostras de que "seu Tota" não preside uma instituição tradicional. É de uma sala instalada no fundo da casa do agricultor - uma pequena propriedade rural a 70 km de Campina Grande - que sai toda sua riqueza.
No lugar de um cofre com cédulas e moedas protegido por senhas e alarmes, uma portinhola se abre para várias pilhas de garrafas PET de refrigerante cheias de sementes de feijão, milho, gergelim, fava e sorgo. Trata-se de um banco de sementes comunitário.
Bastante comuns na Paraíba, onde estão em mais de 60 cidades, os bancos de sementes começam a se espalhar pelo território nordestino por meio de ações da Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA), grupo de 700 organizações da sociedade civil. Só na Paraíba, em Alagoas e no Ceará - Estados onde os bancos estão mais desenvolvidos - cerca de 13 mil famílias e 300 bancos estão envolvidos no projeto.
Como acontece nas instituições financeiras, os bancos de sementes também emprestam, permitem que se invista e se guarde recursos neles. O objetivo é servir como um estoque de sementes para o pequeno agricultor do semi-árido. Em anos bons, planta-se e guarda-se no banco parte dos grãos da colheita para a próxima safra. Assim, se faltar semente - ou dinheiro para comprá-la - no próximo ano, é só ir ao banco sacar o depósito.
Quem não tem um estoque pode pegar um empréstimo. Mas, como em qualquer banco, ali também se paga juro. Quando for feita a colheita, devolve-se, além da quantidade de semente que se pegou emprestada, um pouco a mais para recompensar os associados do banco. O agricultor que tem milho, mas quer plantar fava, por exemplo, também pode trocar sua "moeda" lá.
"A guarda da semente é uma resposta à escassez. Antes, tínhamos que esperar a semente do governo. Muitas vezes, ela chegava atrasada, quando a chuva já tinha passado. Ou vinha semente de má qualidade", afirma Tota, que preside o banco de Lajedo do Timbaúba, comunidade de Soledade. O agricultor é responsável por registrar todos os depósitos, os saques e organizar as assembléias que definirão os juros e os empréstimos.
"A plantação é importante em diversos aspectos da vida do agricultor. Ela garante a alimentação dele próprio e dos animais, além da receita com a venda dos produtos. Daí a importância de se garantir a oferta constante de sementes", afirma o agrônomo Emanoel Dias da Silva, do Patac, uma organização não-governamental que trabalha com agricultura familiar no semi-árido paraibano e que faz parte da Articulação do Semi-Árido Brasileiro.
Neste ano, o que salvou a plantação dos agricultores da comunidade Caiçara, também em Soledade, foi o banco de semente. "Como a chuva foi pouca no ano passado, quase todo mundo teve que recorrer ao banco. O problema é que também faltou água neste ano, aí ninguém lucrou para repor o estoque", conta José Maciel, presidente do banco de Caiçara e agente de saúde.
A saída será pegar novos empréstimos do banco de sementes de Soledade, criado por uma lei municipal em agosto deste ano. "Foi um meio que encontramos de garantir uma reserva estratégica para os agricultores familiares", explica José Bento Leite do Nascimento, vice-prefeito e secretário de desenvolvimento rural de Soledade, cidade com 13 mil habitantes.
Mas, além de garantir um estoque, os agricultores querem com os bancos resguardar as sementes locais. "Se não preservarmos nossas sementes, virão outras de diversas partes do país, que não estão acostumadas ao semi-árido", avalia o agricultor de Soledade Antônio José Borges Ramos.
É comum entre quem planta o discurso de que as sementes nativas vingam mais do que as compradas e precisam de menos defensivos agrícolas. Muitas sementes são guardadas pelos agricultores há diversas gerações de uma mesma família.
No entanto, por trás da sabedoria popular está uma explicação mais científica. "Em termos de genética faz todo sentido dizer que as sementes nativas são mais adaptadas ao semi-árido. Elas passaram por toda uma interação genética para criar resistência ao ambiente", afirma Ciro Scaranari, que é engenheiro agrônomo da Embrapa Transferência de Tecnologia.
No ano passado, os bancos de sementes começaram a ser apoiados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). "Para incentivar a formação dos bancos, compramos sementes dos agricultores e doamos para novos se formarem", explica Valéria Fernandes, gerente de projetos da Conab.
A experiência abrangeu 300 famílias em Alagoas, que receberam cerca de 35 quilos de sementes cada. O projeto é espalhar a experiência por todo o semi-árido, transformando outros agricultores em banqueiros enriquecidos como o "seu Tota". FONTE: Valor Econômico ? SP