José Maria Tomazela, NOVA ANDRADINA
Assentados da reforma agrária derrubam árvores e produzem carvão em uma área de 5,7 mil hectares de mata nativa no município de Nova Andradina, no sudeste de Mato Grosso do Sul, a 347 quilômetros de Campo Grande. E o pior: há crianças trabalhando nas carvoarias.
A floresta, com formações de cerrado denso e remanescentes de mata atlântica, constitui a reserva legal da Fazenda Teijin, de 28,5 mil hectares, desapropriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No local, foram assentadas 1.067 famílias do Movimento dos Sem-Terra (MST) e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri).
É uma das poucas áreas de mata que restam numa região devastada pela atividade agrícola e pecuária. Isso não impediu que 187 famílias de sem-terra invadissem a reserva. Elas demarcaram os lotes, abriram clareiras para instalar seus barracos e, agora, queimam a madeira para produzir carvão. Muitas deixaram lotes no assentamento para se instalar na mata e explorar a nova atividade.
A reportagem do Estado flagrou crianças trabalhando numa carvoaria. O lote do assentado José Pedro de Jesus, de 54 anos, tem dois fornos em plena atividade. Os meninos Cristiano Lagos, de 11 anos, e Adanilson Alves Souza Jesus, de 14, retiram o carvão da fornalha e amontoam para esfriar. O produto será ensacado e vendido nas margens da BR-267, que corta a fazenda, por R$ 40 o metro cúbico. "Estamos esperando o preço melhorar", disse Adanilson.
Na terça-feira, quando foram abordados pela reportagem, os dois garotos tinham faltado à aula para mexer com o carvão. Eles estudam na escola do Distrito de Casa Verde, o núcleo urbano mais próximo. Cristiano cursa a 3ª série e Adanilson está na 5ª.
ESTUDOS
O avô reconhece que eles têm dificuldade com os estudos. Para a pergunta básica sobre quem descobriu o Brasil, Cristiano tinha resposta pronta: "Dom Pedro." O assentado diz que os netos o ajudam porque ele, atingido por um raio, ficou com o corpo "bambo" e ainda não conseguiu se aposentar.
Ele conta que luta pela terra há cinco anos, migrou do MST para a Fetagri, mas a situação não melhorou. José Pedro diz que não invadiu a reserva. "Fomos assentados aqui pelo Incra, mas eles abandonaram a gente." Com a ajuda da mulher e três filhos, que trabalham numa carvoaria da região, ele construiu a casa de madeira e comprou duas vacas com bezerro para tirar leite. A mata no entorno da casa foi derrubada para formar pasto - a madeira virou carvão. "Vou quebrar mais um alqueire (de mata) para fazer uma roça."
A fumaça dos fornos pode ser vista da rodovia que liga Nova Andradina à BR. O capitão Renato dos Anjos Garner, do comando local da Polícia Militar Ambiental, que sobrevoou a área, disse que as carvoarias estão espalhadas por toda a reserva. "Alguns lotes têm vários, outros nenhum, mas na média é um forno por lote."
Ele fez um relatório para o comando estadual. Órgãos públicos, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Ministério Público Federal (MPF) e o próprio Incra foram informados oficialmente do crime ambiental e da exploração do trabalho infantil.
O vereador Tito José (PSDB), da Câmara Municipal de Nova Andradina, encaminhou ofícios para esses órgãos em março, quando os primeiros fornos foram construídos na reserva. No início de abril, a procuradora da República Larissa Maria Sacco determinou ao Ibama que notificasse o Incra para a "imediata paralisação da produção de carvão vegetal e a respectiva supressão vegetal no Projeto de Assentamento Teijin".
Larissa deu 10 dias ao Ibama para apresentar informações e, estando presente o risco de deterioração ambiental, autorizou a requisição de auxílio da Polícia Federal. O Ibama informou que havia notificado o Incra sobre o embargo das atividades de desmatamentos e instalação de fornos. Toda a correspondência foi parar na Câmara. A farta troca de papéis, porém, não teve resultados práticos, segundo o vereador, pois a depredação da área continua. "É um jogo de faz-de-conta." FONTE: Estado de São Paulo ? SP