Simei Morais
Nos próximos quatro anos, a lavradora Adjane Dionísio Pereira não vai pegar em enxada. Quem irá substituí-la no serviço será alguém do grupo de famílias com que trabalha. Ela mora no assentamento rural Sepé Tiaraju, localizado entre Serrana e Serra Azul, onde se produz coletivamente.
Adjane, de 25 anos, entrou para a universidade. Vai estudar em instituição pública, sonho da grande maioria de jovens de sua idade, normalmente acessível a uma minoria que estudou em escola particular a vida toda.
Ela acabou de ser aprovada em Licenciatura Plena em Pedagogia, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). É o primeiro curso superior, no Estado de São Paulo, voltado para assentados - o próximo será Agronomia, instalado no campus de Sorocaba.
Pedagogia da terra
Realizado em parceria entre a UFSCar e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o curso de Adjane já tem um apelido carinhoso: Pedagogia da terra.
"É diferenciado, vai enfatizar especificamente a terra, a zona rural. A gente cobrava muito isso na discussão com a universidade, isso de trabalhar a partir da nossa realidade", diz a lavradora, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No movimento, ela participa do setor estadual de educação.
Alternância
O curso, cujas aulas começaram na semana passada, funcionará com o método de alternância. Os alunos passam até três meses na universidade, alternados com períodos equivalentes na comunidade. O objetivo é aplicar o conhecimento já obtido e levantar questões para discutir com professores e colegas.
Isso faz com que Adjane já pense em seus momentos de estágio no assentamento, na escola que o movimento reivindica ao governo- e que tem espaço reservado.
"Meu sonho é estar aqui, educando nossas crianças. Fico me imaginando na escola", conta. Ela conversou com a reportagem enquanto arrumava as malas. No outro dia, cedinho, partiu com a família e uma comitiva de assentados para assistir à aula inaugural.
EJA
Adjane completou o ensino médio em 2006, pela Educação de Jovens e Adultos (EJA). Diz que sempre sonhou em ser professora, "que achava bonito". Aplicada, deu aulas para outros adultos do assentamento.
Ela foi a única assentada da região a passar no vestibular para Pedagogia da terra. Fez um cursinho intensivo em 20 dias, na própria UFSCar. A prova foi realizada em 25 de novembro, num dia inteiro de avaliação em que respondeu a questões de conhecimentos gerais, Inglês e Português e fez redação. Diz que foi um período difícil, de ansiedade. Mas que o resultado compensa.
"Todo mundo está sonhando junto, especialmente meus ex-alunos. Eles falam para eu ir, aprender mais e depois passar o conhecimento para eles", relata, emocionada.
Curso tem espaço para filhos de estudantes
Como milhares de universitários, Adjane Pereira vai morar fora de casa para estudar. Se para muitos a vida em república é um eldorado, para a lavradora, significará mais uma luta.
Casada e mãe de dois filhos, terá de se separar do marido e da filha mais velha, de 6 anos, nos períodos em que estiver em São Carlos. O filho menor, de sete meses, ficará com ela. A faculdade para assentados vai reproduzir o Ciranda Infantil, um espaço para crianças de até seis anos que existe nos cursos do MST. "A maioria das pessoas, no movimento, tem filhos", pondera Adjane.
Puxado
O curso será puxado, com aulas de segunda-feira a sábado, para compensar os períodos em que os estudantes ficarão em suas comunidades. Politizados, os alunos já estão se mobilizando quanto a esse "inconveniente".
"Estamos discutindo. Pedimos que nos liberem em três ou quatro finais de semana, no trimestre, para voltarmos para casa, diz.
Companheiro
O marido de Adjane, Fábio Pereira, de 28 anos, dá apoio aos projetos da mulher. Acostumado à coletividade, se coloca como o principal companheiro da mulher, nessa nova fase. Ele mesmo vai deixar de fazer o ensino médio no EJA, este ano, para cuidar da filha, enquanto a mulher busca o diploma universitário.
"Imaginava, quando casei, que nunca poderia continuar os estudos, mas olha só tudo isso", exclama Adjane.
Com a energia de uma caloura, ela pensa no curso e nos projetos do grupo de famílias do qual participa. Já plantam frutas e criam gado, mas vão diversificar ainda mais a produção. Já fizeram planejamento para uma granja. "Tendo mais cultura e conhecimento, dá para produzir mais, já fiz isso depois do EJA", diz. FONTE: A Cidade ? SP