Secretário Estadual de Saúde de Goiás
Passado o susto da mais recente crise de febre amarela, agora é hora de os agentes de saúde pública refletirem sobre os erros e os acertos das medidas adotadas para estancar as ocorrências da doença. Merece reflexão a estratégia de vacinação em massa e os efeitos adversos da revacinação, assim como a insuficiência de conhecimento sobre as conseqüências da vacina. Também carece de análise o fator ambiental como elemento de influência na saúde pública e o modo de agir da própria sociedade.
Quando foi registrada a primeira vítima da doença na última crise, em dezembro de 2007, a mídia passava por entressafra de assuntos. Sem desmerecer a importância do trabalho da imprensa para informar a população, o tema acabou sendo supervalorizado, o que desencadeou alarmismo entre as pessoas. No estado de Goiás ? localizado na área endêmica de febre amarela ? houve corrida em massa aos postos de saúde em busca da imunização contra a doença. Muitas pessoas que procuraram atendimento estavam com a vacinação em dia. Esse fenômeno acarretou sobrecarga no sistema de saúde, que não está preparado para eventos dessa natureza. Além disso, o episódio deixou à mostra uma das falhas do sistema público de saúde: a falta de sistema único e informatizado que centralize informações sobre imunização da população.
Apesar dos alertas referentes ao perigo da revacinação, mais de 30 pessoas tiveram reações adversas após tomar a vacina contra a febre amarela. A quantidade de vítimas da imunização equivale ao de vítimas da própria doença. Este ano, o Ministério da Saúde notificou 30 casos confirmados de febre amarela. Esses números revelam outra lacuna do sistema público de saúde: a insuficiência de conhecimento sobre os efeitos colaterais e adversos da vacina.
Outra lição que pode ser aprendida é a escassez de conhecimento sobre o ciclo silvestre da febre amarela. Já é tempo de trabalhar para preencher os vácuos de informação. A despeito de ser uma doença conhecida desde longa data ? os registros dão conta de que chegou ao Brasil durante os últimos 25 anos do século 17, provavelmente trazida das Antilhas, onde se alastrava desde a época dos descobrimentos ?, ainda é escasso o conhecimento sobre o vírus em seu habitat silvestre. Com o intuito de preencher esse vazio, a Secretaria Estadual de Saúde de Goiás organizou grupo de estudo na Universidade Federal de Goiás (UFGO) para reunir os dados disponíveis sobre o ciclo da febre amarela silvestre.
Aspecto relevante é o desafio contemporâneo de promover o desenvolvimento socioambiental em harmonia com a saúde das pessoas e do meio ambiente. Os efeitos agressivos do desequilíbrio ambiental podem deflagrar processos complexos, como o do desmatamento que promove a migração de agentes patogênicos, como o vírus da febre amarela, expondo populações humanas a maiores incidências de doenças. O Brasil tem experimentado mudanças ambientais enormes e aumento no número de casos de doenças relacionado ao desequilíbrio ambiental. O estado de Goiás, por exemplo, é a última fronteira agrícola antes da Região Norte. Em média, 70 mil hectares do cerrado goiano são transformados anualmente em carvão para abastecer as siderúrgicas mineiras. E esse tipo de vegetação nativa desaparece a olhos vistos, ficando agora confinado às regiões norte e nordeste do estado.
A crise nos leva a comprovar a necessidade urgente de adotar medidas preventivas mais eficazes que envolvam diversos atores da nossa sociedade. Está na hora de, juntos, governos e populações se unirem em torno da urgência em aprender as lições da crise de febre amarela. O combate a essa e a outras doenças precisa da força de todos os segmentos da sociedade: saúde pública, turismo, comércio, indústria, meio acadêmico e entidades representativas de classe e de segmentos da economia. FONTE: Correio Braziliense ? DF