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ARTIGO: BOAS INTENÇÕES E A AUSÊ
Artigo: Boas intenções e a ausência de planejamento
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28 de Maio de 2008

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artigo: boas intenções e a ausê

Antonio Penteado Mendonça*

Em maio se comemora a abolição da escravidão no Brasil. Feita tardiamente em relação aos demais países ocidentais, a grande heroína da versão oficial é a princesa Isabel, por haver assinado a Lei Áurea. O Brasil se destaca entre as nações civilizadas pela enorme capacidade de votar leis ruins, que atravancam o seu progresso, normalmente em nome de uma boa intenção. Como dizia meu bisavô, abolicionista e republicano: "De boas intenções o inferno está cheio". E é verdade. O Brasil precisa menos de boas intenções e mais de ações proativas, calcadas na realidade, capazes de minimizar as mazelas que nosso cipoal legal consegue, sistematicamente, piorar.

Entre os exemplos de leis ruins, a Constituição de 1988 tem lugar de destaque. Graças a ela o País está amarrado a conceitos ultrapassados e a direitos impensáveis nos países mais desenvolvidos, que desoneram o cidadão de suas responsabilidades, garantem privilégios imorais e nos amarram ao passado mais retrógrado, como se fossem a solução para nossos problemas e a resposta para nossas dificuldades.

Mas a Constituição de 1988 é vasta demais e tem pontos inovadores e positivos, então ela está longe de ser o melhor exemplo para mostrar os estragos que uma lei ruim pode fazer no corpo de uma nação.

Neste capítulo, a Lei Áurea é imbatível. Nenhuma outra lei brasileira conseguiu somar tantos vieses negativos como ela. O primeiro e o mais grave sob o ponto de vista social, e que até hoje não está solucionado, foi literalmente jogar nas estradas do País, completamente desamparados e sem qualquer auxílio do Estado, alguns milhões de ex-escravos.

Obrigados a abandonar as fazendas com as quais, após a promulgação da lei, não tinham mais qualquer vínculo e que não podiam mais sustentá-los ou dar-lhes abrigo, simplesmente saíram perambulando pelos caminhos, sem destino ou rumo, até chegarem nas periferias das cidades, onde se instalaram em terrenos distantes do centro, dando origem aos aglomerados miseráveis que se transformariam nas favelas.

Uma análise mais criteriosa da história do século XIX brasileiro mostra inequivocamente a falta de comprometimento da família imperial com o movimento abolicionista. Pelo contrário, os fatos retratam o imperador D. Pedro II se opondo abertamente a homens comprometidos com o progresso, como o Barão de Mauá, enquanto buscava o apoio dos grandes fazendeiros, proprietários da maioria dos escravos, para governar. (A este respeito, vale a leitura do livro "Mauá", de Jorge Caldeira).

Se o governo imperial tivesse realmente comprometimento com o final da escravidão, teria tomado medidas para a integração social dos ex-escravos, criando-lhes oportunidades de trabalho remunerado já durante o processo legislativo que culminaria com a promulgação da Lei Áurea. No entanto, nada foi feito neste sentido. Não se criou uma única escola para alfabetizá-los ou estrutura de apoio para permitir-lhes adquirir terras e trabalhar nelas. Nunca se pensou sequer em como alimentar essa enorme massa de gente, depois que deixassem as fazendas. Tão pouco se imaginou a necessidade da criação de programas de apoio aos fazendeiros que os mantivessem em suas propriedades, não mais como escravos, mas como trabalhadores assalariados.

Para completar, a Lei Áurea foi promulgada no dia 13 de maio, ou seja, no início dos trabalhos para a colheita da safra de café e em plena safra da cana-de-açúcar. Com ela, milhares de fazendas ficaram sem mão-de-obra, justamente quando o trabalho nos campos era essencial para o giro do negócio. O resultado foi o Brasil entrar numa grave crise econômica que levou à falência centenas de fazendeiros, empobrecidos pela perda dos ativos representados pelos escravos e pela quebra de suas colheitas.

As fazendas de café e os engenhos de açúcar ficaram desertos, com a safra apodrecendo nos campos, sem ninguém para fazer a colheita e para prepará-los para a safra seguinte. A quebra dos produtores rurais, sem mão-de- obra, sem safra e sem ter como preparar a terra para a próxima colheita gerou uma grave crise econômica, sobrecarregando o País, já dobrado ao peso de imensa dívida por conta do financiamento da Guerra do Paraguai.

Com a Lei Áurea perderam todos. Os ex-escravos jogados para as estradas, sem qualquer chance de se tornarem cidadãos, dando origem às distorções sociais até hoje presentes na nossa sociedade; os fazendeiros, quebrados pela perda da mão-de-obra indispensável para fazer o giro de suas propriedades, obrigados a abandonar milhares de hectares produtivos; e o País, que, com as finanças já comprometidas por uma longa e cara guerra, teve de conviver com dois anos sem safras expressivas de café e de açúcar.

E perdeu também a família imperial. Dependendo do ponto de vista, pode-se dizer que foi quem mais perdeu. Perdeu a coroa do Brasil. Na ressaca da promulgação da Lei Áurea, e do desastre que se abateu sobre a nação, os militares, comandados pelo Marechal Deodoro da Fonseca, monarquista convicto, em 15 de novembro de 1889, promulgaram "provisoriamente" a República.

Para eles e para boa parte das elites brasileiras, a família imperial, depois da morte do imperador, não teria condições mínimas para governar o Brasil.

A quebra das safras, o abandono das fazendas, o aumento do endividamento nacional e, acima de tudo, os milhões de pessoas completamente desassistidas pelo poder público foram argumentos de peso para justificar a mudança do sistema de governo e a implantação prematura da República.

Até hoje o Brasil paga o preço das boas intenções e da falta de planejamento no processo abolicionista. E entre os que pagam caro, os negros e os descendentes dos escravos são os que pagam mais.

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA* - Sócio de Penteado, Mendonça e membro da Academia Paulista de Letras. FONTE: Gazeta Mercantil - 28/05/2008



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