As motosserras voltaram a roncar em Mato Grosso e no Pará nos três primeiros meses do ano, justamente quando o governo federal anunciou medidas para combater o desmatamento na Amazônia. Nos dois Estados, recordistas da destruição, praticamente triplicou a área devastada no período, um movimento atípico para esta época do ano, quando a ação no campo é mais difícil por causa das chuvas na região.
A área desmatada nos dois Estados passou de 77 km2, de janeiro a março de 2007, para 214 km2 no mesmo período deste ano, dos quais 149 km2 foram em Mato Grosso. O levantamento foi feito pela organização não-governamental Imazon usando imagens de satélites.
"É sintomático esse crescimento no primeiro trimestre porque, a partir das medidas tomadas pelo governo, o desmatamento deveria ceder e não subir", explica Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon. Ele reconhece que os agentes da destruição florestal podem ter se antecipado ao efeito das medidas e cortado o quanto podiam no período, enquanto elas ainda não surtem o efeito.
Desde o início do ano, o governo federal anunciou uma série de ações para tentar conter o avanço do desmatamento na Amazônia Legal. Entre elas estão restrições ao crédito para proprietários rurais e a Operação Arco de Fogo, realizada pela Polícia Federal, Ibama e Força Nacional. Já foram alvo da operação municípios como Tailândia, Paragominas e Ulianópolis.
O secretário de Meio Ambiente do Pará, Valmir Ortega, diz que há uma pressão muito forte no preço das commodities no mercado mundial e o aumento do desmatamento pode ser um reflexo. Além disso, lembra ele, o aperfeiçoamento dos métodos de controle e monitoramento mudou a dinâmica da destruição florestal. Antes superavam os 50 km2 (5 mil campos de futebol). Hoje, são pulverizados, alguns menores que 1 km2. "Há uma imensidão de polígonos sendo desmatados e o controle é mais difícil."
Já o secretário interino de Mato Grosso, Salatiel Alves de Araújo, diz que os dados indicados estão acima da realidade. "Os setores pecuário e agrícola estão saindo de uma crise e com a retomada no preço das commodities se espera um aumento do desmatamento. Mas não na proporção indicada, totalmente desconectada da realidade."
Veríssimo lembra que o aumento na produção da soja, predominante em Mato Grosso, pode ter ocorrido sobre estoques de terra já aberta, sem desmates significativos. Os sojicultores preocupam-se em não associar o seu produto ao desmatamento amazônico. Medo de perder o mercado internacional cada vez mais sensível a questões ambientais. Porém, em solo brasileiro, a pressão agrícola pode estar provocando novos movimentos. Um deles seria a expansão do setor sucroalcooleiro no Centro-Sul, que empurra a produção de grãos para o Centro-Oeste e, por sua vez, a pecuária para o Norte.
O Estado procurou o Ministério do Meio Ambiente para tratar do tema, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
TENDÊNCIANo acumulado do calendário anual do desmatamento, que começa em agosto, as taxas crescem no Pará, enquanto em Mato Grosso caem. No primeiro, o desmatamento passa de 775 km2 para 1.362 km2. Já em Mato Grosso cai de 2.203 km2 para 1.853 km2 (veja quadro acima).
Tanto os dados do Imazon como os apresentados pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram que o desmatamento voltou a apresentar níveis alarmantes (mais informações nesta página). Sobre os dados do Inpe, os dois Estados mostraram comportamentos distintos. O Pará reconhece o problema, alega que a situação se arrasta há anos e diz que a união dos governos federal e estadual vai render frutos no médio prazo. Já Mato Grosso, que ao contrário do vizinho tem a maior parte das propriedades em mãos privadas e com situação fundiária praticamente regularizada, contesta o Inpe e contrapôs um estudo em mais de 600 pontos do Estado para dizer que não houve um recrudescimento do corte florestal.
Dos 36 municípios listados pelo MMA como os campeões de desmatamento, 6 do Pará e 7 de Mato Grosso figuram entre os 20 que mais desmataram no acumulado desde agosto, segundo o Imazon. Localizando-os no mapa, há uma coincidência geográfica. A maior parte deles fica no norte de Mato Grosso ou no sul do Pará. Formam o que os ambientalistas vêem como um cinturão da carne, porque coincide com as áreas de maior expansão da pecuária na Amazônia.
FONTE: O Estado de São Paulo - 30/04/08