Luciano Pires
Da equipe do Correio
Nem o tombo nas cotações das principais commodities agrícolas na semana passada serve de alento. O consumidor que tem por hábito ir ao supermercado sabe que os preços dos produtos à base de matérias-primas do campo não param de subir. O movimento é resultado da grande demanda mundial por comida e biocombustíveis, de estoques baixos ? em alguns casos ? e, claro, da forte especulação financeira que varre os mercados internacionais desde o início da crise nos Estados Unidos, no final do ano passado.
O Brasil, um dos maiores celeiros do planeta, não está imune aos efeitos perversos dessa queda-de-braço entre procura e oferta. A prova está na boca do caixa, mas principalmente na inflação medida no bolso das famílias. Pagar mais caro por itens básicos é uma incômoda realidade e explica, pelo menos em parte, por que o orçamento doméstico sempre sai perdendo na hora de encher a despensa de casa.
Só o óleo de soja subiu nos dois primeiros meses deste ano 15,65%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A supervalorização nas gôndolas reflete tão somente o que ocorre na lavoura. Depois de três safras sofríveis, a soja voltou a ser a grande estrela da agricultura brasileira e mundial, passando a ditar o ritmo da exuberância que move o agronegócio. Na Bolsa de Chicago (EUA), principal plataforma de comercialização, o grão registra em 12 meses um salto médio de 90%. No mercado nacional, a saca nesse mesmo período ganhou 65% em valor.
Histeria semelhante atinge o milho. Impulsionado pelo aumento da produção de etanol entre os americanos, a escalada das cotações em bolsa respingou nos derivados vendidos no Brasil. No mercado externo e interno, na média, a alta foi de 40%. O óleo extraído do grão acompanhou o ritmo e avançou no varejo nada menos do que 8,99% em janeiro e fevereiro, segundo a FGV. O frango, que depende indiretamente do milho, por causa da ração usada na engorda, encareceu 9,70% em 12 meses. Entre os produtores de milho há um consenso: nem o recorde de colheita nos Estados Unidos nem o aumento da produtividade no Brasil amenizarão o cenário.
Diante da inflação oficial medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) as altas nos preços do milho e da soja ficam ainda mais nítidas. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 0,54% em janeiro e a 0,48% em fevereiro. Em 12 meses, encerrados em fevereiro, a taxa ficou em 4,61%. Grande parte dessa inflação é fruto da explosão dos preços dos alimentos. Ainda sob a inércia desse fenômeno, mesmo que os alimentos não subam tanto como antes, analistas apostam que os novos patamares vieram para ficar. E por um longo período.
Na pele
Paulo Sérgio Dias Lopes, proprietário da panificadora Panetutti, na 111 Norte, sabe o quanto o estresse das commodities atrapalha os negócios. "O preço da farinha de trigo sobe toda semana", diz. O quilo do pãozinho vendido a R$ 6,50 deverá ser reajustado em breve e essa não é uma decisão isolada. De acordo com os empresários do setor de panificação no Distrito Federal, o aumento previsto para esta semana ficará entre 15% e 20%. "A gente absorve uma parte do prejuízo, mas não tem como não repassar aos clientes. E quando se mexe com o bolso das pessoas, todo mundo reclama", completa.
Assim como a soja e o milho, o trigo também obteve ganhos expressivos. Entre março de 2007 e este mês, o grão se valorizou 140% no mercado internacional. Por trás do recorde de ganho está o desequilíbrio entre a tímida produção mundial e a crescente demanda. "Além desse problema ainda tem a especulação dos investidores e a crise americana", explica o empresário Paulo Sérgio Dias Lopes. Sem produção suficiente, o Brasil é obrigado a pagar o preço da escassez e importa 80% do trigo que necessita.
Sem opção, o consumidor brasileiro assiste a um inevitável efeito dominó, que joga às alturas os preços de alimentos. Entre março de 2007 e fevereiro último, a farinha aumentou 18,91%, o macarrão, 10,72%, os biscoitos, 8,06%, e o pão francês, 8,66%. A indústria, com medo de amargar prejuízos, já avalia substituir ingredientes ou reduzir a quantidade de produto por embalagem ? a exemplo do que ocorreu com os ovos, que acumulam alta de 8,41% em 2008. Como alternativa para não penalizar ainda mais o consumidor, granjas e supermercados renderam-se às caixinhas de meia dúzia. Dessa maneira, o preço não espanta a dona-de-casa.
Produtor comemora
Se nas prateleiras dos supermercados a valorização dos preços das commodities assusta o consumidor brasileiro, entre os produtores o sentimento é justamente o inverso. Embora preocupados com a crise de confiança que abala os mercados, quem planta soja, milho ou trigo torce para que os bons ventos que empurram as cotações desses grãos continuem soprando.
Ao que tudo indica ? e as previsões oficiais reforçam isso ? o país terá neste ano uma supersafra. Conforme levantamentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do IBGE, serão mais de 139 milhões de toneladas. Só em soja a estimativa é de uma colheita em torno de 60 milhões de toneladas. As lavouras de milho aumentaram em área e também vão produzir mais do que no ano passado. Já o trigo terá uma safra 71% melhor em volume do que a anterior.
Exportações
Com o clima favorável, grande produção e preços historicamente elevados, a soma das riquezas do campo, aos poucos, retoma o fôlego. No ano passado, de acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio chegou a R$ 611,8 bilhões, crescimento de 7,89% em relação a 2006 e o maior valor nominal desde 2004. Ainda que o câmbio esteja fraco, as exportações devem surpreender, o que anima os indecisos a ampliar o cultivo para aproveitar o bom momento.
Ricardo Cotta, superintendente-técnico da CNA, adverte que nem todo o dinheiro que brota do campo se transforma em renda para o produtor. Segundo ele, os insumos estão caros e o endividamento é alto. Atento aos reflexos dos preços das commodities sobre os derivados vendidos no varejo, Cotta explica que quanto mais industrializado o produto, menor é a influência da matéria-prima agrícola. "Em produtos de menor valor agregado ocorre o contrário", reforça.
Alinhado com analistas internacionais, o representante da CNA acredita que os preços tendem a se estabilizar mais cedo ou mais tarde. Apesar disso, Cotta aposta que, como ocorreu no passado, os alimentos voltem a colaborar e derrubem a inflação brasileira.(LP) FONTE: Correio Braziliense ? DF