Algumas experiências atestam que a valorização da sabedoria camponesa é chave para a boa convivência com o semiárido. O caso do assentamento Milagres, no município de Apodi, no Rio Grande do Norte, é um exemplo de conquista da terra que abre caminho para um uso racional e sustentável da água.
A produção agroecológica no local é baseada n reuso da água, que garante o plantio diversificado nos quintais produtivos das trintas famílias assentadas.
O assentamento foi fundado em 1999, e carrega o nome de Milagres pelo desejo de conquista popular pelo direito à terra.
Totalmente saneado, o local possui atividade agrícola irrigada e de sequeiro, destacando-se pela produção de milho, feijão, girassol, algodão, caju, mandioca, manga, batata, acerola, mamão, melão, melancia e hortaliças. Há também uma rede coletora da chamada água residuária das trinta residências para o tratamento e reutilização na agricultura agroecológica.
A proposta de reuso da água em Milagres é uma combinação da organização comunitária local em parceria da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa). A iniciativa possibilitou a instalação de tecnologias eficientes que aproveitam de uma forma ampla a conhecida água cinza das residências.
Por outro lado, há um contraste entre o território de Milagres com o entorno da região. O assentamento está localizado na Chapada do Apodi, que inclui municípios das regiões oeste potiguar e leste cearense.
Território sob ataque do agronegócio
Milagres e outros 15 assentamentos estão cercados por empreendimentos agrícolas que fazem monocultivo e uso intensivo de agrotóxicos. A exportação de frutas como melão e mamão na Chapada do Apodi está associada a altos índices de contaminação por venenos entre a população, como apontam estudos epidemiológicos realizados pelo Núcleo Tramas, da Universidade Federal do Ceará.
Hoje a Chapada do Apodi se encontra sob o ataque do agronegócio. As empresas estão chegando, perfurando poços na região, sobretudo nas áreas próximas a assentamentos da reforma agrária. A água se tornou um instrumento cada vez mais disputado, relata o agricultor familiar Aguinaldo Fernandes, geógrafo e presidente do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Apodi.
A perfuração de poços é uma prática condenada por alguns especialistas pela possibilidade de contaminação da água e diminuição dos níveis dos lençóis freáticos. Ao mesmo tempo, a organização popular e os movimentos sociais locais questionam o modelo de desenvolvimento feito pelos empreendimentos agrícolas de monocultivos na Chapada do Apodi. São alvo de questionamentos temas como degradação ambiental, conflitos agrários, concentração de renda e escassez de água.
A comunidade [Milagres] mostra como é conviver com essa escassez de água aqui no semiárido, mas também com o reuso da água de forma sustentável, racional, eficiente e sem causar danos ao meio ambiente, respeitando o modo de vida dos camponeses e camponesas, destaca Fernandes.
O exemplo de Milagres soma-se às constantes campanhas e articulações realizadas na Chapada do Apodi contra o uso de agrotóxicos e pela valorização das experiências agroecológicas. O assentamento reafirma também que os desafios na região semiárida são muito mais políticos do que climáticos.
A luta pela agroecologia caminha lado a lado com a garantia do direito à água, para o consumo e para a produção da agricultura familiar e camponesa. Isso a gente precisa reafirmar a cada dia, pois ninguém vive sem água. Ela é um bem comum da humanidade e que está cada dia mais ameaçada por estar sendo mercantilizada, privatizada. Isso é muito ruim para toda a nossa sociedade, analisa a secretária de Mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Mazé Morais.
Mazé Morais faz a leitura da carta oficial do 4º Encontro Nacional de Agroecologia (4ENA)
O assentamento Milagres está localizada a 18 km da área urbana de Apodi. O local possui uma escola de ensino fundamental com biblioteca. As casas possuem, além de quintais produtivos, cisternas de placas para captação da água da chuva.
Veja a notícia completa AQUI
FONTE: Brasil de Fato - Edição: Geisa Marques