"Atravessar a porteira", como se diz na zona rural de Minas Gerais, é o que pequenos produtores do Estado vêm fazendo com a ajuda do Minas Artesanal, programa lançado em junho de 2006 pela Secretaria de Estado da Agricultura (SEAPA) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG). A proposta é capacitar, em um período de cinco anos, 6,5 mil famílias rurais que trabalham com artesanato e gêneros alimentícios, a fim de melhor inserir sua produção no mercado. "Eles sabem produzir, mas não têm idéia de como colocar seu trabalho nos pontos de venda", diz Ilídia Rabelo, superintendente de apoio à agricultura familiar da Seapa.
A profissionalização dos produtores passa pela criação e reforma de 700 fábricas de doces - um dos fortes da culinária mineira. De acordo com a superintendente, os centros serão abertos por meio de parcerias com empresas privadas. "Misturar nas residências a preparação de alimentos para a família e para venda externa não dá certo", explica. A Seapa também pediu ao governo estadual isenção do ICMS para essas famílias. O peso do imposto é de 18% sobre o valor dos artigos. "Pela sua própria natureza, o produto artesanal é mais caro que o industrializado. Nosso objetivo é que ele tenha mais competitividade, gerando renda para as famílias e evitando o êxodo rural", afirma.
Redes de supermercados são um ponto crucial na estratégia de vendas do programa. "Estamos em processo de cadastramento dos produtores, até o início de 2008, para criar uma associação que faça negócios com os supermercados", diz Maria da Graça Lima, coordenadora técnica da Emater-MG, executora do programa Minas Artesanal.
Melhorar a qualidade do produto final, a fim de conquistar espaço nesses pontos de venda, é outra prioridade para as famílias. Segundo Ilídia da SEAPA, desde junho de 2006 já foram investidos R$ 400 mil em capacitação, participação em feiras, construção de gôndolas, confecção de novas embalagens e um plano de marketing. Nessa primeira fase, 1,2 mil artesãos foram orientados, por exemplo, sobre a necessidade de adotar boas práticas de trabalho, como o uso de uniformes, luvas, toucas e máscaras durante a manipulação dos alimentos. O desenvolvimento de marcas é outra iniciativa do programa, feita em convênio com a Escola de Design da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG).
Enquanto não se tornam as novas parceiras dos supermercados mineiros, as famílias participam de feiras comerciais com o auxílio financeiro da SEAPA. Até o momento, cerca de 300 produtores já expuseram seus artigos em feiras de Belo Horizonte, Araxá e Brasília, por exemplo. Um deles é Cícero Magalhães, assentado da reforma agrária há nove anos e que produz farinha de mandioca temperada, entre outros alimentos. Seu pedaço de terra de 21 hectares fica em Campina Verde (a 800 km de Belo Horizonte) e, sem a ajuda do programa, diz ele, não poderia ir a nenhuma das feiras. "Não tenho condições de bancar esse custo", diz. Graças à sua participação em um desses eventos no ano passado, Magalhães conseguiu colocar seus artigos em uma rede de mercearias de Belo Horizonte, cujo público é de classe média alta, segundo ele.
Cecília da Silva faz bolsas, cestarias e baús com nada menos que palha de milho. Ela é também presidente da Associação de Artesãos de Cipotânea, criada em 2001 e que reúne 130 famílias artesãs na cidade de sete mil habitantes. Na década de 40, um padre levou a técnica criada pelos índios Tapajós à cidade, pois, segundo Cecília, muita gente passava fome na região. Por um bom período, no entanto, esse artesanato ficou de lado, mas agora voltou a ser valorizado. "Antes a gente jogava a palha fora, hoje ela vale mais que o milho por aqui", diz a artesã.
Em Bonfim, cidade de oito mil habitantes a 84 km da capital mineira, boa parte da produção de bucha vegetal (120 mil dúzias por ano) é usada para a confecção de bonecas, tapetes de banheiro e até papel reciclado. Luana Silva conta que a cidade produz a trepadeira há mais de 40 anos, mas o artesanato baseado nessa planta iniciou-se apenas em 2001.
A partir daí, as artesãs passaram a diversificar o trabalho, criando arranjos de flores, imagens sacras, molduras de quadros e, em agosto do ano passado, papel reciclado. "Pegamos as sobras, miolos e pontas queimadas e fazemos modelos em diferentes espessuras, cores e texturas", diz Luana, cuja renda aumentou 20% desde que passou a trabalhar com essa técnica nos fins de semana (ela é funcionária da prefeitura local). Mas há famílias que vivem apenas dessa produção. "Agora estamos desenvolvendo uma nova estratégia para chegar às lojas de Belo Horizonte e São Paulo. Estamos só no começo", afirma. FONTE: Valor Econômico ? SP