A questão agrícola no Brasil é discutida a partir de vários pontos de vista, sendo dominante o econômico, uma vez que o país tendo terra e água em abundância e uma forte tradição agrícola, viabilizou investimentos para produção em larga escala, ocupando mercados internacionais, fazendo com que o agronegócio se expandisse, e hoje se constitui numa importante aposta do Governo Federal para alavancar a economia do país.
Ocorre que a agricultura praticada pelo agronegócio está voltada para o mercado internacional, com foco na exportação de commodities agrícolas, como a soja e o café, dentre outras, desenvolvidas através de monocultivos em larga escala, de forma mecanizada, onde uma única máquina pode substituir 100 ou mais trabalhadores(as), e com intensa dependência de fertilizantes e agrotóxicos.
Essa forma de produção é alavancada por incentivos governamentais de crédito e propagada como elemento desenvolvimentista, vendida como tábua de salvação da economia brasileira. Entretanto, oculta inúmeras consequências negativas do ponto de vista social, à saúde da população e ao meio ambiente, gerados essencialmente pelo uso indiscriminado de agrotóxicos.
Utilizados na agricultura para eliminar pragas e exterminar plantas invasoras, como consequência, os agrotóxicos têm causado danos ao meio ambiente com a contaminação e a poluição do solo (a retenção de herbicidas reduzem sua fertilidade), da água e do ar. À saúde humana são altamente nocivos, causando doenças como lesões nos rins, cânceres, redução da fecundidade, comprometimento do sistema nervoso, além de poderem causar convulsões e envenenamento.
A CONTAG e diversos movimentos ambientalistas demonstram preocupação com essa questão, e através do debate coletivo com outras instituições vem procurando alertar a população e as autoridades acerca do perigo da ingestão de alimentos contaminados por agrotóxicos, bem como dos danos ao meio ambiente e à saúde humana. Contudo, contrário a este movimento de conscientização, há interesses corporativistas defendidos pela bancada ruralista e pelos fabricantes de agrotóxicos impulsionando uma agenda em curso do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, através da ANVISA, para liberar o uso de novos herbicidas.
Essas ações caminham na contramão daquilo que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), por intermédio do seu Diretor-Geral, José Graziano da Silva, afirmou durante a abertura do Segundo Simpósio Internacional sobre Agroecologia em Roma, no dia 3/4/2018: Precisamos promover sistemas alimentares sustentáveis que ofereçam alimentos saudáveis e nutritivos, e também preservar o meio ambiente. Ele ainda acrescentou que A estratégia de aumentar a produção a qualquer preço não foi suficiente para erradicar a fome, e além disso assistimos a uma epidemia global de obesidade. Mais AQUI
O reflexo disso são os 270 novos registros autorizados em 2020, sendo 222 em plena Pandemia, entre 25 de março a 17 de agosto do corrente ano. Tão grave quanto aos novos registros, o governo também autorizou a importação de 211 produtos diferentes, além da permissão de 144 misturas, cujos efeitos não são possíveis de se mensurar, tendo em vista que as avaliações são realizadas em cada produto isoladamente. Outro investimento danoso ocorrido foi a reclassificação de 378 agrotóxicos, através do qual os verdadeiros impactos à saúde das pessoas e demais seres vivos, além da contaminação do ambiente (solos e águas) são mascarados, pois a maioria absoluta dos produtos passa de classes ou categorias de alta toxicidade para moderada ou baixa, além de grande número que antes estavam classificados passam para não classificados. O acompanhamento mensal desses dados é apresentado no Quadro 1.
Acrescenta-se a tudo isso os 588 pedidos de registros ocorridos no mesmo período (Quadro 1), além da investida do MAPA por meio da Portaria n° 43, de 21 de fevereiro de 2020, que estabelece os prazos para aprovação tácita para os atos públicos de liberação de responsabilidade da Secretaria de Defesa Agropecuária, vinculada ao próprio ministério, conforme caput do art. 10 do Decreto nº 10.178, de 18 de dezembro de 2019, cujos efeitos foram suspensos quando estava em vias de entrar em vigor, em virtude de duas Arguições de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) de autoria dos partidos PSOL e Rede Sustentabilidade junto ao Supremo Tribunal Federal.
Alertamos que há uma agenda de retrocesso em curso, a exemplo da pauta do dia junto à ANVISA, defendida pelos ruralistas e fabricantes de agrotóxicos para que a agência reveja a determinação do banimento do herbicida Paraquate. A pressão é para que se adie o prazo de uso no Brasil, e futuramente se aprove o desbanimento desse agrotóxico em solo brasileiro, o que seria uma grave decisão, com consequências desastrosas à saúde, pois inúmeros estudos científicos concluíram que a contaminação por Paraquate gera mal de Parkinson nos(as) trabalhadores(as) que o manuseiam. Este agrotóxico, de tão perigoso, foi banido da União Europeia e da China, o que nos desafia a manter a luta coletiva com diversas organizações pôr um fim aos venenos em nossa mesa e no meio ambiente.
Assim, diante de tantos problemas causados pelo agrotóxicos, a CONTAG aponta como alternativa ao veneno na mesa que sejam efetivadas políticas públicas de apoio à produção de alimentos saudáveis, através de investimentos com liberação de crédito e assistência técnica às famílias de agricultores(as) familiares que optaram pela produção agroecológica, de forma que se possa incentivar processos de transição da produção tradicional para a agroecologia, pois alimentação saudável é também uma questão de saúde pública e econômica, que gera renda e novos empregos.
FONTE: Artigo: Rosmarí Malheiros, secretária de Meio Ambiente da CONTAG