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A OPORTUNIDADE ESCONDIDA
A oportunidade escondida
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26 de Fevereiro de 2008

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a oportunidade escondida

Por José Graziano

A alta dos preços dos alimentos tornou-se parte indissociável da equação econômica mundial. Este ano, os chamados países de baixa renda e importadores de alimentos devem gastar até 35% a mais para comprar quase a mesma quantidade de produtos adquirida em 2007. A situação preocupa, mas é necessária uma avaliação cautelosa dos fatos para entender sua origem e agir sobre seus desdobramentos. O alarmismo pouco contribui para aquilo que é mais importante neste momento: evitar o agravamento da fome que encurrala a vida de mais de 850 milhões de pessoas no mundo.

Não existe explicação monocausal para a dinâmica em curso. Portanto, não há bala de prata para inverter a sua direção. Alterações climáticas cada vez mais extremas, por exemplo, concorrem para a alta das cotações. Secas dramáticas atormentaram os produtores em 2007; um inverno rigoroso castiga a Ásia nesse momento.

A oferta agrícola, como sabemos, responde rápido aos estímulos do mercado. Todavia, há limites. Certa defasagem se mantém por conta de uma dinâmica de produção subordinada ainda, em boa parte, aos ciclos da natureza, o que dificulta ajustes automáticos à demanda corrente como faz a indústria. Ademais, o impacto cada vez maior das adversidades climáticas retira fatias de previsibilidade que o avanço científico adicionou à atividade rural no século XX, alargando assimetrias que já influenciam os estoques, com reflexos inevitáveis nas curvas de preços. O conjunto explica uma parte do progressivo desencontro entre a produção e o consumo nos últimos tempos.

Quase tão avassaladora quanto a fúria da natureza, porém, a especulação financeira preenche sua cota ao buscar o abrigo das commodities, que oferecem alta rentabilidade e baixo risco numa época de incertezas econômicas. Estamos, portanto, diante de uma dinâmica auto-propelida em que o ingrediente especulativo das finanças desreguladas contamina as cotações internacionais de alimentos, impossibilitando que o comércio mundial possa cumprir sua função de mitigar a alta dos preços pela válvula de escape das importações mais baratas.

Mas se a mão invisível encontra dificuldades nessa frente do mercado, não há dúvida que o aumento da demanda também contribuiu para alimentar a espiral ascendente das cotações agrícolas. Não só, e por certo não principalmente, por conta dos biocombustíveis. O fato verdadeiramente relevante na formação da demanda hoje é uma bem-vinda elevação dos padrões de nutrição entre populações mais pobres do planeta. Os que sempre foram excluídos agora estão comendo mais e melhor. Em especial, carne e leite, o que dispara uma alavanca adicional sobre os preços - produzir um quilo de proteína animal consome até oito quilos de cereais.

Estamos diante de uma dinâmica em que o ingrediente especulativo das finanças contamina as cotações de alimentos

Por tudo isso é necessário sangue-frio para analisar a complexidade embutida no avanço das cotações. Uma visão equilibrada identifica contrapartidas positivas que existem para além da neblina espessa feita de escassez, incertezas financeiras e precipitações neomalthusianas. Alguma serenidade amparada em perspectiva histórica constata, em primeiro lugar, que o atual ciclo de alta apenas interrompe uma queda contínua das cotações nas últimas décadas. Segundo a revista "The Economist", entre 1974 e 2004 os preços das commodities caíram 75%. Somente uma fatia disso foi recuperada até agora. O horizonte mais profundo reserva porém a informação mais valiosa: o aquecimento atual da demanda favorece a produção doméstica, abrindo mercados locais a milhões de pequenos produtores.

O desafio da FAO é chamar a atenção para esse atalho de oportunidade. Ele possibilita atender uma parte da demanda com o incremento da agricultura familiar, gerando efeitos multiplicadores no combate à pobreza e à fome dentro do próprio ambiente rural. Na América Latina, a pobreza extrema afeta quase 30% da população do campo. São mais de 36 milhões de pessoas para as quais a alta dos preços dos alimentos pode significar uma ameaça ou uma oportunidade. Para que a segunda hipótese prevaleça é necessário apoiar o pequeno produtor com crédito e capacitação, mas também apressar uma nova família de políticas agrícolas que lhes assegurem fatias adicionais da demanda nos mercados locais.

Um exemplo são os programas institucionais de aquisição de alimentos de pequenos produtores voltados à merenda escolar e às populações vulneráveis das comunidades mais pobres. Esse é o caso da bem sucedida iniciativa brasileira do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Se aprovado o projeto de lei que estende a merenda ao ensino médio, mais de oito milhões de alunos vão deslocar o patamar dessa demanda ampliando o mercado potencial dos pequenos agricultores. Outras alternativas podem e estão sendo implantadas com o mesmo sentido. A produção do biodiesel em sistemas de parceria e cooperativas de pequenos produtores - que já inclui cerca de 100 mil agricultores familiares em diferentes regiões brasileiras - é um exemplo auspicioso de como os biocombustíveis, ao contrário do que muitas vezes se imagina, permite erguer pontes entre o equilíbrio ambiental e a segurança alimentar.

Há espaço para avanços até maiores. Um estudo conjunto realizado pela FAO e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em seis países da América Latina e Caribe confirma o papel relevante da agricultura familiar na segurança alimentar e geração de renda no campo. O estudo mediu também o impacto da abertura comercial no setor.

Em muitos casos - não todos, como demonstra o mercado de leite no Brasil - os agricultores familiares admitem a concorrência externa. Ao que parece, seu maior problema não é a liberação dos mercados, mas a sua própria inserção neles. Isso não se garante com proteção genérica, e sim com políticas públicas que desloquem uma parte da demanda para a colheita dos pequenos. A reestruturação das políticas de desenvolvimento direcionadas à agricultura familiar é o passaporte que lhes falta. Nas últimas décadas muitos governos descuidaram da produção enfatizando um leque de iniciativas sociais no campo. Sem dúvida elas são importantes. Mas a intervenção estatal tem que se dar pelas duas vias: ajudar famílias vulneráveis a superar seus gargalos, mas, ao mesmo tempo, incentivá-las a produzir mais, expandir mercados e consolidar o espaço conquistado.

José Graziano da Silva é representante regional da FAO para a América Latina e Caribe. FONTE: Valor Econômico ? SP



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