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AGROECOLOGIA
A Lei de Proteção de Cultivares: uma arapuca armada para Agricultura Familiar
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23 de Julho de 2015


Lula Cardoso Ayres
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agroecologia

Após longo período em latência no Congresso Nacional a Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997, “que institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências" é retomada por pressão de grandes empresas do agronegócio que atuam no ramo da produção e comercialização de sementes, mudas e insumos agropecuários. Somente na última semana foram realizadas duas Audiências Públicas na Câmara dos Deputados, sendo uma no dia 15/07, na Comissão Especial, e outra, dia 16/07, na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural.

Dois Projetos de Lei foram tomados por base para tais audiências públicas: o PL nº 2.325, de 2007, da Deputada Rose de Freitas (PMDB/ES), que propõe alterar a Lei nº 9.456/1997, para criar impedimento à livre comercialização da produção pelos agricultores sem a devida autorização dos obtentores, e o PL nº 827/2015, do Deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), que amplia os direitos dos obtentores vegetais sobre o material de multiplicação das cultivares protegidas. Obtentores são pessoas ou empresas com domínio e direito de uso exclusivo sobre plantas, partes de plantas e sementes submetidas a determinadas tecnologias. Para ter acesso a essas sementes ou plantas os agricultores pagam altos preços para adquiri-las nos mercados. Além disso, pagam para reproduzir, multiplicar, armazenar, comercializar, prática comercial denominada royalties.

O que está por trás da Lei de Proteção de Cultivares?

As grandes empresas do agronegócio veem nesses projetos a oportunidade de reforçar o domínio sobre o mercado de sementes e outros meios de multiplicação de plantas. Somente o mercado de sementes, no Brasil, representa cerca de US$ 4 bilhões, sendo considerado um dos mais sólidos para negócios no contexto mundial da indústria de sementes. Nos últimos anos, a produção brasileira de sementes saltou de 1,6 milhões de toneladas, em 2001, para mais de 3,0 milhões de toneladas em 2013. O setor de forrageiras saltou de 27 mil toneladas de sementes, em 2010, para 50 mil toneladas em 2013, com um faturamento de US$ 600 milhões (agroanalysis, 2014).

Relatório recente do Grupo ETC – organização socioambientalista internacional que atua no setor de biotecnologia e monitora o mercado de transgênicos – revela que as seis maiores empresas, apelidadas de “Gene Giants” (Gigantes da Genética), controlam atualmente 59,8% do mercado mundial de sementes comerciais e 76,1% do mercado de agroquímicos, além de serem responsáveis por 76% de todo o investimento privado no setor.

Basta dar uma olhada na lista de cultivos geneticamente modificados já liberados para plantio comercial em território brasileiro pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) – cinco tipos de soja, 18 de milho e 12 de algodão, além de uma de feijão – para se ter a noção exata de que o clube dos transgênicos é para pouquíssimos sócios. Com exceção da nacional Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), todos os cultivos liberados até hoje no Brasil utilizam tecnologia transgênica e defensivos agrícolas produzidos pelas seis grandes empresas transnacionais que também lideram o setor de transgenia em nível global: Monsanto (Estados Unidos), Syngenta (Suíça), Dupont (EUA), Basf (Alemanha), Bayer (Alemanha) e Dow (EUA).

Portanto, o controle dos mercados de semente e plantas está no centro dos interesses das grandes empresas do agronegócio. Assim, voltam com força total sobre o Congresso Nacional para avançar mais e mais no controle da produção e mercados de sementes. E, controlando as sementes deterão o controle da produção de alimentos, induzindo os agricultores à uma dependência cada vez maior de uso de adubos e venenos por elas fabricados e ao pagamento de royalties, ou preço pelo uso das tecnologias disponibilizadas, sem o qual não poderão usar tais sementes e plantas. A expectativa das empresas é terem domínio total sobre o uso das sementes e plantas “melhoradas” por um período mínimo que vai até 25 anos, para espécies arbóreas e videiras e 20 anos, para as demais espécies. É tornar o agricultor dependente deste tipo de tecnologia para sempre.

Por esses métodos os agricultores são obrigados a comprar das empresas, ano após ano, as sementes para seus plantios. No caso das sementes produzidas com gene terminator, ou semente sem vida, nunca germinarão. Além disso, o gene terminator, ao contaminar variedades nativas ou espécies silvestres, destrói essas reservas genéticas. Esse tipo de variedade é de uso proibido pela Convenção sobre Biodiversidade das Nações Unidas, mas as portas estão abertas para sua implementação no Brasil.

Veja o recente caso da Monsanto, uma das multinacionais que controla a produção de sementes no mundo, que após ter distribuído sementes de Soja Intacta RR2 (variedade transgênica) por dois ou mais anos passou a cobrar royalties sobre o uso da mesma na moega, ou seja, ao dar entrada da produção nos armazéns. Para que isso não ocorresse, o Judiciário de Mato Grosso mandou suspender as cobranças. Entretanto, cogita-se que com as alterações propostas pelos Projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional as empresas poderão retomar com maior voracidade este processo. Segundo contratos assinados com a Monsanto para uso da referida semente os agricultores teriam que pagar cerca de 7,5% da produção na entrada nos armazéns, após a colheita.

Quais os principais prejuízos diretos da Lei de Proteção de Cultivares?

Com a Lei de Proteção de Cultivares os custos de produção serão onerados cada vez mais em função da cobrança direta de royalties sobre os pacotes tecnológicos agregados de alto custo, com adubos químicos e herbicidas, normalmente controlados e comercializados pelas mesmas empresas do agronegócio que controlam sementes outras formas de reprodução vegetativa de plantas.

A extinção das sementes crioulas ou sementes básicas normalmente utilizadas pelos agricultores em suas comunidades deixam esses agricultores dependentes da oferta de sementes controladas pelas grandes empresas do agronegócio, já citadas. E, aqueles agricultores que persistirem nos uso de sementes básicas, selecionadas ao longo de sua vida aos poucos as perderão por contaminação, a exemplo do que vem ocorrendo com o plantio de sementes geneticamente modificadas (transgênicas) de milho e soja, vizinhas das plantações de agricultores familiares e populações tradicionais. Reforça e acelera esta estratégia danosa a distribuição de sementes pelos governos sem a menor preocupação com a destruição do patrimônio genético local, com prejuízos incalculáveis à população consumidora e à natureza.

Por outro lado, estamos assistindo uma verdadeira paralisia do Estado diante de tamanho problema e risco à segurança e soberania alimentar e nutricional da população. É preciso que a Empresa de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), as Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (OEPAS) e Universidades, orientem suas pesquisas na contramão dessas tecnologias suicidas. É papel do Estado controlar o avanço das sementes geneticamente modificadas (transgênicas e terminator ou sementes suicidas), ampliando pesquisas que resultem em sementes/plantas varietais adaptadas as distintas realidades de solo e clima, especialmente, para agricultores familiares e comunidades tradicionais, aproveitando todo o potencial genético local.

Portanto, o Estado precisa reagir, reforçando os investimentos em pesquisas e melhoramentos de plantas e sementes crioulas, multiplicando os bancos de sementes por todas as regiões do Brasil, para atender com prioridade a demanda da Agricultura Familiar e comunidades tradicionais. Da mesma forma, é preciso: elaborar uma Política Nacional de Proteção das Sementes Crioulas e plantas nativas de importância alimentar; criar zonas livre de transgênicos, terminators e agrotóxicos, avançando na recuperação e melhoramento de métodos e técnicas de produção de alimentos de alta qualidade; realizar uma forte campanha sobre os perigos dos produtos geneticamente modificados à alimentação humana e de animais, em especial, pelo alto teor de agrotóxicos que normalmente contém; criar restrições comerciais à produção e distribuição de alimentos como rotulagem que identifica produtos transgênicos, dispondo-os separadamente nas gôndolas dos supermercados.

Quais providências CONTAG, Federações e Sindicatos podem tomar?

Lutar pela Regulamentação do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (TIRFAA), aprovado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) que tem por objetivo tutelar e incentivar: “a conservação e a utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura, e a repartição justa e equitativa dos benefícios resultantes da sua utilização, em harmonia com a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), em prol de uma agricultura sustentável e da segurança alimentar”.

Além disso, deve promover o debate sobre a “Convenção sobre a Diversidade Biológica” que: “reconhece a enorme contribuição de agricultores de todas as regiões do mundo à diversidade dos cultivos, e por isso regulamenta os “direitos dos agricultores” (preâmbulo e art. 9º); reconhece e prevê incentivos para manter a conservação on farm da agrobiodiversidade pelos agricultores (art. 5º e 6º); estabelece um sistema internacional multilateral para proporcionar o acesso facilitado aos recursos genéticos [...]; prevê que os usuários de recursos genéticos repartam os benefícios que obtêm do germoplasma utilizado no melhoramento genético com as regiões de onde esses recursos são originários, principalmente com agricultores provenientes dos países megadiversos em desenvolvimento (art. 10 a 13)”.

Ao mesmo tempo, a Movimento Sindical deve manifestar-se contrário ao Anteprojeto de Lei (APL) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em trâmite na Casa Civil da Presidência da República como proposta de regulamentação interna das normas do Tratado. Levando em conta que a CDB e o TIRFAA têm os mesmos objetivos (privilégio da conservação in situ e on farm, uso sustentável e repartição de benefícios), deve-se destacar que a proposta de lei em tela não cumpre, de modo apropriado, com o que dispõe o TIRFAA e exclui direitos consagrados no âmbito da CDB.

Por fim, é preciso compreender esse emaranhado de situações para não cair na arapuca armada da regulamentação forçada do Projeto de Lei de Cultivares (PLC) e, como contraponto, pressionar pela implementação urgente do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), uma política pública do Governo Federal criada para ampliar e efetivar ações para orientar o desenvolvimento rural sustentável, conforme prevê o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSS). FONTE: Assessoria de Política Agrícola da CONTAG - Paulo de Oliveira Poleze



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