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A EMPRESA FAMILIAR EM SEU LUGAR
A empresa familiar em seu lugar histórico
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20 de Março de 2008

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a empresa familiar em seu lugar

"O Desenvolvimento Agrícola - Uma Visão Histórica" - José Eli da Veiga.

EdUsp. 234 págs., R$ 35

"Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão" - Ricardo Abramovay.

EdUsp, 294 págs., R$ 42

Ainda não se sabe até que ponto a crise financeira que se espraia desde Wall Street poderá afetar a continuidade do percurso benigno em que a economia brasileira veio se movimentando até agora. Em qualquer hipótese, as possibilidades já percebidas de crescimento, de que os 5,4% de variação do PIB em 2007 dão forte testemunho, com expressiva contribuição do agronegócio de exportação, instigam reflexões sobre o papel da agricultura na expansão e distribuição da renda nacional.

Fará bem à qualidade de quantas análises se desenvolvam a esse respeito a leitura destes dois livros, que se complementam, publicados pela primeira vez no princípio dos anos 1990 e agora reapresentados pela Editora da Universidade de São Paulo. Seus autores, José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay, professores da FEA/USP, somam argumentos de consistente validade teórica e empírica para demonstrar a essencialidade da agricultura familiar - tanto do ponto de vista da produção, como da distribuição de renda. E isso, contrariando teses amplamente difundidas, científicas e políticas, que reduzem aquele modo de produção a um formato social só entendido como atividade dita "camponesa", ou que atribuem a unidades produtivas empregadoras de mão-de-obra assalariada, quase exclusivamente, a condição de resultado lógico do desenvolvimento.

Os dois livros desfazem equívocos, e muitos, em boa parte do tempo para explicar "o sentido geral do movimento histórico que fez com que a agricultura familiar tenha predominado de forma nítida em todos os países capitalistas desenvolvidos no século XX", como diz Veiga. A partir da década de 1920, os governos desses países "passam a colocar à disposição da agricultura familiar todos os meios de que ela necessitava para poder se desenvolver". É quando "montam uma imensa estrutura de apoio que vai da pesquisa à organização dos mercados, passando pelas mais diversas formas de assistência técnica, financeira, educacional, previdenciária, habitacional etc., com o objetivo estratégico de transformar as unidades camponesas em estabelecimentos familiares, não só viáveis, mas altamente eficientes em termos de respostas a uma das exigências básicas do processo de industrialização: alimentação farta e barata para as crescentes populações urbanas."

No mundo todo, diz Abramovay, não há setor econômico mais familiar que a agricultura. "Este não é um sinal de atraso - que os bons ventos da liberalização comercial haverão de varrer - mantido pelos Estados contemporâneos dos países ricos por razões político-eleitorais", afirma no posfácio à nova edição. "É um traço decisivo da estrutura social da agricultura capitalista contemporânea."

Abramovay adverte, porém, que "as modalidades de sustentação da renda agropecuária por meio da compra direta de produtos preencheram um papel histórico certamente importante, mas atualmente são substituídas por modalidades de intervenção pública voltadas a estimular uma agricultura de qualidade, capaz de colocar em realce as capacidades regionais, de preservar o meio ambiente, de atender não apenas aos desejos de uma produção limpa, mas de exprimir por seus produtos a própria cultura das localidades em que se enraíza."

Trata-se, então, de buscar e praticar o desenvolvimento rural em sua mais ampla expressão, o que significa instituir políticas que contemplem "uma ação pública cada vez menos homogênea, que toma em consideração as características das diferentes regiões e que tende a se estruturar em torno de projetos tópicos e localizados" - o que pressupõe a participação local de diferentes atores interessados nos bens públicos do meio rural. Ou seja, "trata-se cada vez menos de fixar modelos e sim de estimular e negociar projetos. Em termos de política agrícola, a mudança dificilmente poderia ser mais significativa. A gestão setorial vai-se convertendo em gestão territorial" - com a agricultura familiar em seu epicentro.

Veiga é incisivo: recomenda a associação do processo de distribuição de renda ao de transferência de terra. "Nos países capitalistas centrais e em alguns países periféricos bem-sucedidos, como Taiwan e Coréia do Sul, a redistribuição de renda alicerçou a fase de crescimento acelerado. E todas essas nações apostaram nas virtudes da agricultura familiar." Por esta boa razão: "Ainda está para ser demonstrado que o capitalismo possa entrar em sua fase intensiva e socialmente articulada prescindindo dessas características".

O que Veiga e Abramovay propõem, em suma, é a reflexão sobre um novo entendimento da questão rural, integrada ao processo de desenvolvimento. Trata-se de interiorizar o dinamismo produtivo, mas com orientação fincada nas peculiaridades de um setor agrícola moderno, no qual a empresa familiar tenha seu papel reconhecido, a partir da compreensão de suas singularidades e potencialidades. O Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, criado no governo Fernando Henrique Cardoso e alavancado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, é uma iniciativa que progride nessa direção. FONTE: Valor Econômico ? SP



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