A caatinga entrou definitivamente na corrida para definir que bioma brasileiro vai conseguir igualar primeiro o índice de destruição já alcançado pela mata atlântica, que é de 93%. Tabulação de dados recente feita por uma equipe de pesquisadores nordestinos revela que 59% do bioma tão exaltado por Euclides da Cunha e outros escritores já está alterado.
A floresta amazônica, por exemplo, cada vez mais o destino de todos os holofotes ambientais, apresenta 18% de sua cobertura vegetal original modificada, segundo números divulgados nesta semana.
A compilação de dados das imagens de satélite do "primo pobre" dos biomas brasileiros gerou dezenas de mapas. O resultado que surge é diferente das últimas estimativas, que apontavam uma alteração de 30%, aproximadamente.
A cifra de mudança da cobertura vegetal original, calculada por Washington Rocha, da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), também não bate com os números oficiais com que o MMA (Ministério do Meio Ambiente) trabalha desde o lançamento dos mapas da flora remanescente dos biomas brasileiros, no final de 2006. Para o governo, só 37% dessa formação nordestina foram devastados.
"Nós contamos apenas as áreas sem nenhuma alteração. Existem outras que já sofreram atividades antrópicas e não sabemos até que ponto elas podem apresentar regeneração", disse Rocha à Folha. Os dois números surgiram da análise da mesma base de dados.
Pequenos núcleos de caatinga -alguns botânicos, como já identificaram diferenças importantes dentro do mesmo bioma, defendem o uso do termo "caatingas", no plural- foram excluídos da conta.
Um mito que caiPelo menos nos últimos cinco anos, como lembra Rocha, todos os estudos apontam para o mesmo caminho. A biodiversidade da caatinga, já chamada de "paraíso" por Euclides da Cunha, é bastante elevada.
Apenas dentro do grupo dos mamíferos, mostra um levantamento feito pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro, existem no bioma 143 espécies. Desse total, 19 são exclusivas do semi-árido do Brasil.
Se a preferência for por peixes ou pássaros, a caatinga também terá. São 240 e 510 espécies, respectivamente.
"A cana-de-açúcar e a desertificação [que será potencializada pelas mudanças climáticas globais] são as duas maiores ameaças para a caatinga atualmente", afirma Rocha.Segundo o pesquisador de Feira de Santana, a tendência de a produção de álcool explodir no Nordeste por causa dos biocombustíveis é uma clara ameaça para o ecossistema.Existem ainda áreas historicamente complicadas, lembra o biólogo José Maria Cardoso da Silva, da ONG Conservação Internacional. "O famoso pólo gesseiro de Pernambuco" é uma delas, diz o pesquisador. As indústrias costumam derrubar a caatinga e usar as plantas lenhosas para alimentar os fornos onde o gesso é produzido.
Com todas essas ameaças pairando sobre a caatinga, que agora praticamente se igualou ao cerrado em termos de alteração antrópica, a importância das unidades de conservação ganha muito mais peso.
Ainda mais quando menos de 2% do bioma está protegido de forma legal. Existem áreas muito bem preservadas, como lembra Silva, -como as dunas do rio São Francisco perto de Xique-Xique, na Bahia, e seus lagartos, que só existem lá-, que ainda estão aguardando um parque nacional, que foi proposto, mas nunca criado.
FONTE: Folha de São Paulo - 05/06/2008