Os agricultores familiares — cuja subsistência depende de atividades dentro e fora da fazenda — são responsáveis pela produção da grande maioria dos alimentos consumidos no mundo. No entanto, paradoxalmente, também representam a maior parte das pessoas famintas do planeta. O acesso à terra e aos recursos naturais é extremamente desigual: 475 milhões dos 570 milhões de fazendas no planeta têm extensão de 2 hectares ou menos e representam apenas 12% da superfície agrícola. Além disso, as populações rurais nos países em desenvolvimento representam cerca de três quartos da população mundial extremamente pobre e costumam ser as mais afetadas por choques ambientais. A edição especial recém-lançada da revista “Policy in Focus” sobre Políticas Públicas para a Agricultura Familiar no Sul Global visa a dar continuidade ao Ano Internacional da Agricultura Familiar (IYFF), comemorado em 2014, das Nações Unidas e à recente adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Esses dois eventos trouxeram visibilidade e reconhecimento sem precedentes ao papel real e potencialmente cada vez maior dos agricultores familiares de todo o mundo, na contribuição para a redução da pobreza, para a segurança alimentar e nutricional e para a gestão sustentável dos recursos naturais. Consequências tanto do retorno das questões de segurança alimentar à agenda internacional de políticas para o desenvolvimento (na sequência da crise dos preços dos alimentos de 2007-2008) quanto da ampliação gradual das coligações entre movimentos sociais, organizações não governamentais, governos e organizações internacionais que objetivam evidenciar a importância dos investimentos na agricultura de pequena e média escala, os marcos definidos por eventos, como o IYFF e os recém-aprovados ODS são um convite para se refletir sobre os grandes desafios na formulação e implementação de políticas que façam justiça ao maior reconhecimento desse setor como protagonista nas estratégias de desenvolvimento pelo Sul-Global. Os agricultores familiares — cuja subsistência depende de atividades dentro e fora da fazenda — são responsáveis pela produção da grande maioria dos alimentos consumidos no mundo. No entanto, paradoxalmente, também representam a maior parte das pessoas famintas do planeta. A esmagadora maioria das fazendas no mundo é gerida e operada por famílias e conta, predominantemente, com o trabalho dos familiares. Esses são os dois critérios principais utilizados para definir o setor de agricultura familiar, apesar de sua grande diversidade — o grupo inclui pecuaristas, pescadores artesanais e povos indígenas, entre outros. O acesso à terra e aos recursos naturais é extremamente desigual: 475 milhões dos 570 milhões de fazendas no planeta têm extensão de 2 hectares ou menos e representam apenas 12% da superfície agrícola (LOWDER, et al., 2014). Além disso, as populações rurais nos países em desenvolvimento representam cerca de três quartos da população mundial extremamente pobre e costumam ser as mais afetadas por choques ambientais (HLPE, 2013). Embora a narrativa das estratégias de desenvolvimento centradas na indústria tenha, em grande parte, predominado nos países em desenvolvimento e nos países desenvolvidos, houve certo progresso dos investimentos em meios de subsistência rurais e sustentáveis, como pilares fundamentais para o desenvolvimento na agenda de políticas de desenvolvimento. Seja em âmbito global — conforme ilustram o IYFF, o marco dos ODS e as edições mais recentes dos relatórios State of Food and Agriculture (SOFA, 2014 e 2015) da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) — ou na formulação de políticas nacionais — como revelam algumas das experiências relatadas na nova edição da Policy in Focus —, a agricultura de pequena e média escala vem demonstrando, gradualmente, sua capacidade de fazer parte da solução de vários desafios globais atuais, desde a perda de biodiversidade e a degradação dos solos até a segurança alimentar e a erradicação da pobreza, se dispuser dos meios adequados para tanto. Além disso, os diálogos políticos sobre a agricultura familiar vêm se ampliando, desde os encontros nacionais e regionais de delegações governamentais e movimentos sociais rurais na Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul até debates realizados, atualmente, pela maioria dos Comitês Nacionais criados como parte da campanha e das comemorações do IYFF em 2014. Também houve um aumento das deliberações em âmbito mundial, envolvendo ampla gama de partes interessadas — incluindo movimentos campesinos — no Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS), que levaram à aprovação de arcabouços internacionais importantes, como as Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Posse da Terra, Pesca e Florestas (VGGT). À medida que se forma um consenso global sobre a necessidade de investir na agricultura familiar como parte da solução para o paradigma de desenvolvimento mais sustentável, ainda há uma grande lacuna de conhecimento sobre as políticas reais que tratarão das dimensões econômica, social e ambiental consagradas no documento final da Rio+20, O Futuro que Queremos, e que formam a base conceitual dos ODS. Apesar dos enormes desafios à formulação e à implementação de políticas amplas em países em desenvolvimento com enorme variedade de biomas e paisagens, arranjos institucionais, limitações orçamentárias e de recursos humanos e conhecimentos e práticas científicas e de agricultura tradicional — sem falar das desigualdades (com raízes históricas) enfrentadas pelas mulheres e jovens rurais — esse foco renovado na agricultura familiar está contribuindo para trazer mais atenção para algumas das especificidades e implicações concretas da formulação de políticas e do desenvolvimento rural. Questões como o acesso à terra e aos recursos naturais, linhas de crédito e seguro, assistência técnica e serviços de extensão rural, acesso aos mercados e fornecimento de infraestrutura rural — todos bem abordados na meta 2.3 dos ODS — fazem parte de um repertório de políticas que deve ser adaptado, especificamente, às necessidades das atividades rurais de pequena escala de uso intensivo de trabalho e de maior sustentabilidade ambiental. FONTE: Por Thomas Cooper Patriota, da Universidade de Sussex, e Francesco Maria Pierri, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)